quinta-feira, 11 de outubro de 2012


23 de Abril de 1515 –

O Ataque dos Portugueses a Marraquexe

                                                                                     

O dia 23 de Abril de 2012 assinala os 497 anos de uma acção militar tão arrojada quanto desconhecida pela generalidade dos portugueses: o ataque luso à cidade de Marraquexe! Com efeito, em 1514, depois de os portugueses terem conquistado Azamor, vencido a Batalha dos Alcaides, e feito tributários as tribos mouras daquela região, o reino de Marraquexe tremeu e solicitou a vassalagem a Portugal através de carta enviada a D. Manuel. O monarca português não tardou a passar o salvo-conduto e a enviar Fernão Dias para negociar as condições de vassalagem. Não sabemos, contudo, o resultado destas negociações nem se realmente chegaram a existir.

A verdade é que em Abril de 1515, os capitães das praças de Azamor, D. Pedro de Sousa, e de Mazagão, Martim Afonso de Melo, uniram forças com o capitão de Safim, Nuno Fernandes de Ataíde e, juntamente com os mouros de pazes, atacaram Marraquexe. Juntaram quase 3000 cavaleiros e alguns peões, e a 21 de Abril marcharam pelas planícies da Duquela em direcção à antiga capital dos almorávidas e dos almóadas. No dia 23 de Abril de 1515, depois de passarem o rio Tencift, os portugueses avistaram o minarete da imponente mesquita da Coutobia. O comandante desta ofensiva militar, Nuno Fernandes de Ataíde (membro da fidalguia que se estabeleceu no Algarve no decurso da Expansão Portuguesa para o Norte de África e um dos mais brilhantes capitães de toda a história da presença portuguesa nos Algarves Dalém Mar), passou o seu guião ao genro, D. Afonso de Faro, e a bandeira a Álvaro de Ataíde.

Ora, apesar de decaída do seu antigo esplendor, Marraquexe era uma cidade extremamente populosa e enorme. As suas muralhas tinham 12 quilómetros de perímetro, 5 metros de altura e 2 de espessura! Ao verem a cidade cercada, os mouros saíram das muralhas que protegiam Marraquexe para lutar em terreno aberto. O combate que se seguiu foi de tal modo violento que Nuno Fernandes de Ataíde, apercebendo-se da desproporção numérica entre as forças em confronto, deu ordem de retirada receando um grande desastre. No dia 25 de Abril de 1515, chegavam as forças portuguesas a Safim, Mazagão e Azamor. Nada se ganhara a não ser a glória do feito, muito ao gosto do belicoso Nuno Fernandes de Ataíde. Por esses anos a fantasiada lusa não parecia conhecer limites, pelo que fica para a História o desplante de pretender conquistar Marraquexe com uns escassos 3000 homens! E, contudo, sejamos honestos: de que vale criticar a prosápia dos portugueses desse tempo se os de hoje, não obstante as circunstâncias, ainda pecam pelos mesmos defeitos?

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 143, Abril de 2012, p.26.
Jornal do Algarve, Nº2873, 19 de Abril de 2012, p.19.

domingo, 7 de outubro de 2012


O Algarve Esquecido: O Algarve Dalém Mar  

 

 

         Não deixa de ser curioso o fascínio que, desde sempre, as terras de Marrocos têm representado no imaginário português. A Batalha de Alcácer Quibir, conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis ou batalha do wâd Mahzane (rio perto do qual se travou a batalha), deixou marcas profundas na mentalidade portuguesa, sendo a lenda de D. Sebastião e o “sebastianismo” uma consequente realidade daí resultante.

A verdade é que existe um profundo desconhecimento por parte da generalidade dos portugueses em relação à empresa norte africana, cujos contornos começaram a ser lenta e paulatinamente desenhados pela dinastia de Avis. Qual a razão desta falta de conhecimento? Com efeito, parece que a historiografia nacional sempre olhou com certa desconfiança ou mesmo com alguma displicência, a guerra portuguesa no Algarve de Dalém Mar. A verdade é que a guerra em Marrocos não foi menos nobre que as outras guerras travadas pelos portugueses nos outros cenários bélicos espalhados um pouco por todo o mundo. Muito pelo contrário. Assim sendo, a que se deve a falta de importância concedida à presença militar portuguesa em Marrocos? A questão parece ter sido, desde sempre, analisada erroneamente pela historiografia nacional, pois ao invés de encararmos a presença portuguesa em Marrocos como uma colonização mal sucedida, devemos antes encará-la como o que efectivamente foi, pelo menos a partir do desastre de Mamora de 1515, ou seja: uma autêntica “escola prática de guerra” destinada a formar os fronteiros e demais efectivos militares num cenário bélico sangrento e hostil, para posteriormente serem enviados para outras possessões portuguesas, nomeadamente na África oriental, Índia e restante Ásia.

Se analisarmos atentamente as carreiras militares dos capitães que serviram em Ceuta, Alcácer Ceguer, Tânger, Arzila, Azamor, Mazagão, Safim e Santa Cruz do Cabo Guê, rapidamente nos apercebemos que estes militares eram frequentemente nomeados para os governos de regiões e possessões economicamente mais importantes, nomeadamente no Brasil ou outros lugares de relevância pertencentes a Portugal, depois de servirem nas praças portuguesas do Norte de África. Ora, não podemos partir do inverosímil pressuposto que a política portuguesa face a Marrocos dos inícios do séc. XV fosse igual à política marroquina de meados do séc. XVI ou à de finais do séc. XVIII! A guerra portuguesa no Algarve Dalém Mar sempre atendeu e adaptou-se aos interesses dos mais variados monarcas portugueses, não devendo ser esquecida, mas antes valorizada por ter servido de “escola prática de guerra” aos sucessos militares portugueses verificados no mundo da Idade Moderna.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 141, Fevereiro de 2012, p.20.