Poucos foram os
soberanos muçulmanos do Gharb al-Andaluz cujos nomes conseguiram resistir às ameaçadoras
brumas do esquecimento. Um destes soberanos foi o célebre Muhammad Ibn Abbad Al Mutamid (المعتمد بن عباد), frequentemente conhecido
como rei-poeta Al Mutamid; um dos mais distintos e eloquentes poetas do al-Andaluz.
Al Mutamid nasceu em Beja, no ano de 1040, e era filho de Al Mutadid, o
poderoso rei da taifa de Sevilha que ficou conhecido por adornar o seu jardim
com as cabeças dos seus inimigos e por ter mandado matar um dos seus próprios
filhos, Ismail, que conspirava contra ele. Quando o pequeno reino taifa de
Silves sucumbiu perante a ofensiva do rei abádida de Sevilha, o jovem Al
Mutamid, que então teria apenas 13 anos, foi deixado a governar o território
que compreende o actual Algarve. Foi durante o governo
de Al Mutamid, em Silves, que a cultura floresceu e que surgiram outros poetas
na sua corte, como ibn al-Milh, al-Mississi, ou o controverso ibn Ammar, por
quem o jovem viria a desenvolver uma profunda amizade (que não teve final
feliz…). Contudo, a morte de seu pai fez com que Al Mutamid se visse obrigado a
deixar o Algarve e a voltar para Sevilha, de onde passou a dirigir o seu reino.
A verdade é que todas
as disputas entre os vários reinos taifas do al-Andaluz vieram facilitar as
investidas dos reinos cristãos. Em 1085, Afonso VI de Castela conquistava
Toledo, e no inverno seguinte já preparava o cerco a Saragoça. Perante a ameaça
que representava Afonso VI de Castela, Al-Mutamid viu-se obrigado a pedir
auxílio aos almorávidas, gente robusta e dura do sul de Marrocos, contra as
recomendações dos seus conselheiros. Segundo a tradição, quando os conselheiros
de Al Mutamid lhe alertaram para o perigo que representavam os almorávidas,
este terá respondido: “ser antes
cameleiro em África do que guardador de porcos em Castela”. Desta forma, um
imenso exército almorávida comandado por Yussef ibn Tachfin cruzou o estreito e
aportou em Algeciras em 1086, de modo a auxiliar o rei-poeta. Tendo derrotado o
exército de Afonso VI de Castela e ganho a batalha de Zalaca, os almorávidas
regressaram a Marrocos mal impressionados com os reinos taifas da península
Ibérica, uma vez que o modo de vida e a falta de rigor religioso destes incomodava
o fundamentalista fervor religioso da dinastia marroquina. Acabariam por
regressar ao al-Andaluz em 1090, destronando Al Mutamid em 1091. Depois de ver
os seus filhos assassinados, o rei-poeta foi levado em ferros para Agmat, no
sul de Marrocos, juntamente com a sua esposa Itimad, onde viriam a perecer. Para
a História ficou a memória deste rei do al Gharb, amante de tertúlias e um dos
mais notáveis poetas do seu tempo. Tal é a admiração e o orgulho por esta personalidade
do al-Andaluz que, ainda hoje, o túmulo de Al Mutamid e Itimad é local de peregrinação
para os muçulmanos…
Fernando
Pessanha - Formador de História do Algarve