domingo, 10 de fevereiro de 2013

O Rei Poeta Al Mutamid – Governador de Silves e Rei de Sevilha

Poucos foram os soberanos muçulmanos do Gharb al-Andaluz cujos nomes conseguiram resistir às ameaçadoras brumas do esquecimento. Um destes soberanos foi o célebre Muhammad Ibn Abbad Al Mutamid (المعتمد بن عباد), frequentemente conhecido como rei-poeta Al Mutamid; um dos mais distintos e eloquentes poetas do al-Andaluz. Al Mutamid nasceu em Beja, no ano de 1040, e era filho de Al Mutadid, o poderoso rei da taifa de Sevilha que ficou conhecido por adornar o seu jardim com as cabeças dos seus inimigos e por ter mandado matar um dos seus próprios filhos, Ismail, que conspirava contra ele. Quando o pequeno reino taifa de Silves sucumbiu perante a ofensiva do rei abádida de Sevilha, o jovem Al Mutamid, que então teria apenas 13 anos, foi deixado a governar o território que compreende o actual Algarve. Foi durante o governo de Al Mutamid, em Silves, que a cultura floresceu e que surgiram outros poetas na sua corte, como ibn al-Milh, al-Mississi, ou o controverso ibn Ammar, por quem o jovem viria a desenvolver uma profunda amizade (que não teve final feliz…). Contudo, a morte de seu pai fez com que Al Mutamid se visse obrigado a deixar o Algarve e a voltar para Sevilha, de onde passou a dirigir o seu reino.

A verdade é que todas as disputas entre os vários reinos taifas do al-Andaluz vieram facilitar as investidas dos reinos cristãos. Em 1085, Afonso VI de Castela conquistava Toledo, e no inverno seguinte já preparava o cerco a Saragoça. Perante a ameaça que representava Afonso VI de Castela, Al-Mutamid viu-se obrigado a pedir auxílio aos almorávidas, gente robusta e dura do sul de Marrocos, contra as recomendações dos seus conselheiros. Segundo a tradição, quando os conselheiros de Al Mutamid lhe alertaram para o perigo que representavam os almorávidas, este terá respondido: “ser antes cameleiro em África do que guardador de porcos em Castela”. Desta forma, um imenso exército almorávida comandado por Yussef ibn Tachfin cruzou o estreito e aportou em Algeciras em 1086, de modo a auxiliar o rei-poeta. Tendo derrotado o exército de Afonso VI de Castela e ganho a batalha de Zalaca, os almorávidas regressaram a Marrocos mal impressionados com os reinos taifas da península Ibérica, uma vez que o modo de vida e a falta de rigor religioso destes incomodava o fundamentalista fervor religioso da dinastia marroquina. Acabariam por regressar ao al-Andaluz em 1090, destronando Al Mutamid em 1091. Depois de ver os seus filhos assassinados, o rei-poeta foi levado em ferros para Agmat, no sul de Marrocos, juntamente com a sua esposa Itimad, onde viriam a perecer. Para a História ficou a memória deste rei do al Gharb, amante de tertúlias e um dos mais notáveis poetas do seu tempo. Tal é a admiração e o orgulho por esta personalidade do al-Andaluz que, ainda hoje, o túmulo de Al Mutamid e Itimad é local de peregrinação para os muçulmanos…

 

 
Fernando Pessanha - Formador de História do Algarve

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


Santo António de Arenilha – Fundada há 500 anos


Assinala-se, no presente mês de Fevereiro de 2013, os 500 anos da fundação de Santo António de Arenilha. Apesar do respectivo topónimo já aparecer assinalado no Livro das Fortalezas de Duarte de Armas – livro incumbido por D. Manuel onde estão representados os castelos e fortalezas existentes na fronteira portuguesa – não devemos, contudo, partir do pressuposto de que já ali existiria o dito povoado. Ora, o já mencionado Livro das Fortalezas foi produzido nos primeiros anos do século XVI, talvez por volta de 1509, e denuncia um topónimo de evidente origem castelhana que se refere claramente às características arenosas da margem portuguesa da desembocadura do Guadiana. Porém, só alguns anos mais tarde foi elaborada a Carta de Privilégio concedida por D. Manuel, em 8 de Fevereiro de 1513, documento régio que determinou a construção de Arenilha: “nossa Villa darenilla que hora mandamos fazer e edifycar (…) e que nos praz que ha dita Villa seja couto asy e de maneira que ho he a nossa Villa de Castro Marym”. Desta maneira, pretendia o “Venturoso” evitar as investidas da pirataria moura (bastante activa na centúria de quinhentos) e o contrabando de mercadorias (prejudicial aos cofres da Coroa), através da criação de um couto de homiziados. Não nos podemos esquecer que toda a erma região entre Cacela e a foz do Guadiana correspondia a um areal não protegido e pouco vigiado, pelo que se tornava propício a incursões inimigas e outras actividades ilícitas. Porém, com a criação do referido couto, forçava-se o povoamento de uma localidade que pudesse vigiar as embarcações da pirataria magrebina que frequentemente apareciam no horizonte. E, por outro lado, também o monarca português afirmava a sua soberania política e administrativa sobre aquele território, para além tirar melhores proventos das pescarias do mar de Monte Gordo. Com efeito, estas reformas levadas a cabo na margem portuguesa do Guadiana, no reinado de D. Manuel, não podem nem devem ser entendidas como um caso pontual ou isolado, mas sim contextualizadas num quadro mais ambicioso e abrangente; pretendia o soberano português fortalecer seu reino política e administrativamente (vejam-se as reformas presentes nos forais manuelinos), para além de assegurar a delimitação e manutenção de suas fronteiras, (veja-se a incumbência do já referido Livro das Fortalezas de Duarte de Armas).

A verdade é que Santo António de Arenilha acabaria por ter vida efémera; já em 1600 referia Henrique Fernandes Sarrão em História do Reino do Algarve: “os vezinhos são tão poucos, que não passam de dous” e, inevitavelmente, acabou por se despovoar nos princípios do século XVII. Contudo, e não obstante a curta vida de Arenilha, torna-se impossível deixar de referir a visão estratégica D. Manuel no que se refere à defesa dos interesses da Coroa portuguesa. Uma visão estratégica que, não se pretendendo iluminada pelas luzes da razão, acabou por se antecipar ao Marquês de Pombal em mais de dois séculos e meio…


Jornal do Baixo Guadiana, Nº153, Fevereiro de 2013, p.21.