Muitos são os episódios da História
de Portugal que passaram à posteridade graças aos gloriosos feitos dos
portugueses. Outros episódios, porém, persistem nas brumas da memória colectiva
pelas piores razões. Um desses episódios teve lugar no dia 4 de Agosto de 1578,
pelo que o presente mês de Agosto de 2012 assinala os 434 anos de um dos mais
funestos desastres da História de Portugal. Trata-se da batalha conhecida em
Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: ك الثلاث), mais conhecida em
Portugal como Batalha de Alcácer Quibir, a mesma batalha onde cerca de 9000
homens perderam a vida. E o Algarve? De que maneira esteve envolvido nesse
funesto episódio? De que maneira ficou afectado?
A verdade é
que com o abandono de Safim, Azamor, Arzila e Alcácer Ceguer, no reinado de D.
João III, a prosperidade do Reino do Algarve começou a declinar. Tavira, que na
primeira metade do séc. XVI chegou a ter 3500 fogos, ou “vizinhos”, já se
encontrava muito despovoada nos anos 70 da mesma centúria, não tendo por essa
altura mais de 1500. Ora, com o obstinado plano de D. Sebastião para a
conquista de Marrocos, o Reino do Algarve voltou a captar as atenções da Coroa
portuguesa. Com efeito, a “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando
partiu da cidade de Évora” do cronista João Cascão, dá-nos conta da viagem de
D. Sebastião ao Algarve, em 1573. Durante esta viagem o monarca não só inspeccionou as obras nas fortificações para a
defesa da costa algarvia, como também estudou as condições estratégicas,
geopolíticas e militares que permitissem uma expedição militar em Marrocos, onde
Portugal conservava Ceuta, Tânger e Mazagão. Já nas Cortes de 1562-1563 se
determinava “que no Algarve se fação
Fortalezas, onde parecem necessárias” e, de facto, o Reino do Algarve
recebeu a visita do Desejado uma
década depois, verificando in loco o
estado das estruturas defensivas em cidades e vilas como Aljezur, Lagos, Sagres,
Albufeira, Loulé, Faro, Tavira, Cacela, Castro Marim e Alcoutim. No entanto, um
outro objectivo se prendeu com a visita do jovem monarca português: verificar em
que condições se cumpriam o sistema das ordenanças no que se referia ao treino
e serviço militar dos homens que as compunham, pois segundo a legislação em
vigor a partir de 1569 – 1570, cada concelho deveria apresentar uma companhia
de ordenanças, que deveria exercitar-se todas as semanas, Domingos e dias
santos.
Para além dos
soldados estrangeiros e dos mercenários contratados, foi exactamente do sul de
Portugal, nomeadamente do Alentejo e Algarve, que saiu parte significativa dos
contingentes destinados à desastrosa expedição de Alcácer Quibir. E porquê esta
predilecção do monarca pelos homens do sul? A resposta é simples. Os algarvios
estavam mais habituados às guerras com os mouros no Norte de África. Basta
recordarmos o grande cerco a Mazagão de 1562 e a forma destemida como os
algarvios foram em socorro daquela praça. Além disso, os algarvios eram “inclinados a pelejar (…) e muito leais a
quem servem”, como astutamente observou Henrique Fernandes Sarrão anos mais
tarde, em “História do Reino do Algarve”. Ora vejamos: só aquando da visita de
D. Sebastião a Tavira, em 1573, foram apresentadas “sete bandeiras de Ordenança”, ou seja: 1400 homens, numa altura em
que a cidade estava “muito despovoada”
e não tinha mais de 1500 “vizinhos”. Em Faro foram apresentadas ao monarca “nove bandeiras de Ordenança”, ou seja;
1800 homens, numa altura em que se contavam na cidade 1800 “vizinhos”. Ora, se tivermos
em consideração que cada “vizinho” era composto por uma média de quatro
pessoas, rapidamente chegamos à conclusão que praticamente um quarto da
população de Tavira ou Faro estava incorporado nas companhias de ordenanças. Por
outras palavras, se excluirmos mulheres, crianças e idosos, bem podemos
concluir que estavam incorporados praticamente todos os homens capazes de pegar
em armas…
Naturalmente
que nem todos estes homens foram recrutados para a malograda expedição a Alcácer
Quibir, pois sabemos que o terço do Algarve comandado por Francisco de Távora
contou com uns 2000 homens. Ainda assim, e postos estes números, põe-se uma outra
questão de difícil resposta: dos cerca de 9000 homens que perderam a vida na
desastrosa batalha de Alcácer Quibir, quantos seriam provenientes do Algarve?
Jornal do Algarve,
Nª2888, 2 de Agosto de 2012, p.16.
2 comentários:
Estou a seguir, com interesse, o seu Blog, Fernando e através dele,começo a aprofundar o meu conhecimento sobre o Sul( terras tão apelativas, onde o Sol,nos envolve e a História faz as nossas Memórias)!
Bom Trabalho!
ANAMARIA
Cara Ana Maria, muito obrigado pelas palavras. Fico contente por sentir que está aprofundar o seu conhecimento sobre a História deste antigo Reino do Algarve. Até breve. Abraço.
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