Dois livros:
Encontros Improváveis(Edições Mandil, Abril 2013)
Encontros Improváveis(Edições Mandil, Abril 2013)
Património Bukowski(Lua de Marfim, Janeiro 2013)
Dois
autores:
Fernando
Esteves Pinto (FEP), nascido em 1961, natural de
Cascais e residente no Algarve (Olhão) há várias décadas, autor sobejamente conhecido
e integrado no grupo da nova geração de talentos nacionais (José Luís Peixoto,
Walter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares e José Carlos Barros, etc…) com várias obras
publicadas e premiadas na área da poesia, romance e ensaio. Também Editor (revista
de literatura Sulscrito e 4aguas).
Fernando
Pessanha (FP) nascido em 1980, natural de Vila Real
de Santo António, músico, compositor e historiador (“A cidade Islâmica de Faro”
edições Mandil 2013), membro da CEPHA; sendo “Encontros Improváveis” a sua primeira obra de ficção.
Com uns representativos
20 anos de diferença na idade, estão, no entanto, os dois autores, irmanados por
“improváveis” afinidades e cumplicidades geradas no quadro da movida cultural
do Portugal democrático e Europeu contemporâneo, sobretudo a partir da mudança
de paradigma que desde os anos 80 veio anunciar uma sociedade pós-industrial e
de informação assente no sector terciário dos serviços e de classe média
generalizada. Sociedade mais a fim de estabelecer laços e cumplicidades intergeracionais,
culturais, raciais etc… do que os tradicionais blocos classicistas assentes em
posturas de cariz ideológico e sectário, actualmente tidos como redutores e castrativos, produtos ultrapassados da lógica
modernista das sociedades industrializadas e tecnocráticas anteriores à nova
sociedade de informação.
Nascidos e criados em
famílias oriundas do mundo estratificado do trabalho com poucos ou nenhuns
recursos literários (casa sem livros), obrigados a assegurar desde cedo a sua
autonomia e subsistência, entram no mundo da criação resgatando o tempo às rotinas
da vida profissional, criando nas horas escassas, nos intervalos da labuta. (Património Bukowski de FEP; Os Machados, A Livreira e o Escritor
de FP).
A pressão de uma
situação, a todos os títulos periférica e suburbana, resultante dessa condição socioeconómica
e cultural vai-se reflectir no enfoque social da sua produção marcada pelo
desencanto, pelo morbos de uma redução existencial gerada numa ausência de futuro
ou ideal, condição assaz comum nas recentes gerações das sociedades ocidentais em
capitalismo terminal (Saga in FEP e A Livreira e o Escritor in FP). É neste clima que ambos os autores se movem numa
estratégia de distanciamento pela ironia e de exploração mórbida das relações
sociais marcadas pelo abandono dos sujeitos ao solipsismo narcísico e autista
de um ambiente em constante mutação. Impossibilitados de estabelecer afectos estáveis
e desejáveis, caem num universo de incomunicabilidade, inclusive consigo próprios
(culto do silêncio e do vazio), gerador duma sensação de sortilégio e acaso
marcados pelo absurdo e equívoco nos encontros/desencontros sempre improváveis,
algo inúteis e desviantes da amalgama urbana da vida acelerada da competição
generalizada (Observação do Pensamento,
Saga, in FEP; e todo o livro de FP). Traços
de carácter que se foram instalando na modernidade, com autores como Kafka, Poe,
Pessoa, passando por Joyce, Becket, Sartre, Camus, Vergílio Ferreira, entre
muitos outros, onde é patente a progressiva perda dos referentes que durante séculos
apoiaram a narrativa literária.
Deus, o Homem, a
comunidade implodiram sob a pressão do progresso tecnológico isolando o sujeito
numa orfandade ôntica, dir-se-ia amnésica, afundando-o num niilismo sem recurso.
O expressionismo brutalista e surdo deste modo existencial parece ser a única
forma de comunicação pessoal e interpessoal (Saga, Coração da Cidade
in FEP; A Psicóloga, O Acidente, in
FP). O grito (lembrando o quadro de Munch e o não menos emblemático poema o
UIVO de Alan Guinsberg), único esgar audível num universo nocturno povoado de
fantasmas/zombies que circulam penosamente saindo e entrando na vida dos
afectos como assombrações, num sonâmbulo microcosmos tão vivido quanto sonhado.
O romance negro manifesto no goticismo de um Poe trespassa o clima de alguns
contos de Pessanha (O Acidente), que
surrealizando kafkaniamente (A Psicóloga),
ora lançando-nos na teia dos equívocos Camusianos (A Madrasta; Os Machados) ou, na vertigem do sortilégio Sartiano (A Prima) vai-nos envolvendo no clima de
uma psicologia existencial, especialidade fenomenológica comum à densa prosa de
auto interpretação de Fernando Esteves Pinto, como em (Observação do Pensamento), acentuando a afinidade de ambos os
escritores a uma abordagem de teor existencial.
É também recorrente a presença
nas páginas das duas obras da única e fatal âncora do sujeito em desagregação:
O Corpo Erotizado (A Madrasta, A Prima, Os Machados, de FP; Bukowski
e Lydia Vance, Saga, Coração da Cidade de FEP). Centro vulcânico da compulsão sexual, o
corpo, que exacerba e requisita em desespero salvífico, o eu concreto e coisificado,
centro sensitivo, poço escuro da volúpia emocional e presencial do sujeito.
Dois autores cuja obra difere no estilo,
recursos narrativos, maturidade e formação assinalando uma variação geracional
do “estado de consciência” e de sociabilidade face à condição dominante da época,
que teima em perdurar nesta espécie fim de
tudo que habitamos. Idade terminal pronunciadora de enormes catástrofes,
arrasta na sua queda os valores e as ideias, alicerces de qualquer sociedade
humanista rumo a uma repelente trans-humanidade. Pesadelo que promove um gélido
e idiota ser protésico: o andróide
humanizado, o herdeiro da terra e mentor da saga iluminista que oferece a
humanidade de barato, em sacrifício ao Deus Progresso, Pai da famigerada Modernidade
e da sua colossal impostura.
É neste contexto que,
penso, devem ser lidos estes dois livros: como núcleos de resistência humanista.
Uma resposta de bem-humorada e fina ironia (Terapia
dos Livros in FEP; e todos os contos de Encontros Improváveis de
FP),dando-nos sinal positivo da subsistência e sobrevivência do sujeito
soberano e imprevisível, capaz de alterar a actual condição e desafiar na sua
anónima e épica luta as forças devastadoras que incautamente criou. Oxalá o
consiga, no entanto, só a arte e a criação é capaz de proteger a
individualidade e criar o distanciamento lúcido. Delas depende a compreensão necessária
ao sentido de existência do Humano Sentido
que nestes dois livros é superiormente questionado e equacionado à luz de uma
profunda e contemporânea visão.
José Bivar
Bela Mandil, 9 de Julho de 2013.
José Bivar
Bela Mandil, 9 de Julho de 2013.
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