O Concelho de Vila Real de Santo António e as Guerras
Liberais
As designadas Guerras
Liberais, resultantes dos confrontos entre o partido liberal de D. Pedro IV e o
partido absolutista de D. Miguel, deram origem a inúmeros episódios dignos de
registo, como o Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, ou a Batalha do Cabo de São
Vicente, em 1833. Porém, também nos contextos locais houve episódios muito
interessantes que, pelo seu valor histórico-patrimonial, merecem ser
partilhados.
O Governador da praça de
Vila Real de Santo António era, por esses anos, Sebastião Martins Mestre,
oficial de infantaria que se distinguiu na resistência contra as invasões
francesas. Numa carta datada de 18 de Janeiro de 1810, tecia o Marquês da Vila
de Olhão rasgados elogios a Sebastião Martins Mestre pelo seu “patriotismo, honra e actividade na defesa da
Gloriosa Religião do Príncipe e da Nação”. Contudo, e ainda que Sebastião
Martins Mestre se tenha demonstrado entusiasta da Revolução Liberal Portuguesa
de 1820, acabou por tornar-se num dos mais acérrimos defensores do partido
absolutista. Ao ser nomeado governador da praça de Vila Real de Santo António,
deu origem a uma administração pautada por perseguições aos simpatizantes do
partido liberal e exercendo contra estes todos os tipos de crueldades. Segundo
Ataíde de Oliveira, o governador perseguiu o pároco de Vila Real, José da
Encarnação Almeida, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo, e toda a
família Pessanha, que viu os seus bens serem confiscados e foram desterrados
para Castro Verde. Entretanto, no dia 24 de Junho de 1833, desembarcaram na
praia da Manta Rota as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira. Não
tardaram os confrontos entre o governador de Vila Real de Santo António e os
constitucionalistas, que acabaram por derrubar o poder local absolutista. Foi
levantado um processo contra o ex-governador Sebastião Martins Mestre, pelo que
acabou por ser preso de modo a responder em Lisboa pelos crimes de que era
acusado. Ironicamente, foi nomeado comandante da escolta um membro da mesma
família que o ex-governador tinha perseguido: Eusébio Frei Pessanha. Quis o
destino que o acusado não chegasse a Lisboa, onde deveria ser julgado. Na
madrugada da partida, um indivíduo emboscou a escolta. Lançando-se sobre o
acusado, desferiu-lhe uma punhalada mortal, fazendo justiça pelas próprias
mãos… E quem era este individuo? Era uma das pessoas anteriormente perseguidas
pelo ex-governador, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo. O comandante
da escolta ainda correu em auxílio do preso, mas era tarde demais; o antigo
governador de Vila Real de Santo António tinha sido assassinado antes do
julgamento. Mostra-nos a História que muitas vezes a sede de justiça popular
sobrepõe-se à própria lei, frequentemente moldada em função dos interesses das
classes instaladas no poder. É algo em que a classe política deveria reflectir…
Jornal do Baixo Guadiana,
Nº156, Junho de 2013, p.21.
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