O dia 31 de Julho do passado ano de
2011 assinalou os 1300 anos da batalha de Guadalete entre o exército visigodo
do rei Rodrigo e as tropas e berberes e árabes lideradas por Tarik Ali Ibn
Zyad. Com a derrota visigoda os muçulmanos acabaram por se estabelecer na
Península Ibérica através de conquistas militares e de tratados de capitulação.
E o Algarve? A partir de quando terá efectivamente ficado sob domínio islâmico?
Segundo a historiografia
tradicional, depois de Tarik Ali Ibn Zyad atravessar o Estreito de Gibraltar e
vencer a batalha de Guadalete, em 711, foi a vez do próprio governador do Norte
de África, Musa ibn Nusair, deslocar-se ao al-Andaluz com um exército de cerca
de 18000 soldados, desta vez composto na sua maioria por árabes. Era então
iniciada a conquista da Andaluzia ocidental e do sul da Lusitânia? Segundo a
arqueóloga Teresa Gamito, em 718 já estavam conquistadas todas as regiões da
zona Ocidental da Andaluzia, inclusive “as cidades de Ossónoba, Balsa,
Lacóbriga e Ipses”. Contudo, o mais provável é que as cidades da zona ocidental
da Andaluzia como Balsa, Lacobriga, Ipses e Ossónoba, tenham sido anexadas logo
depois de conquistados os núcleos urbanos hispano-visigodos de maior
importância, como Sevilha, tomada pela força em Julho/Agosto de 712. De resto,
este é um assunto meticulosamente abordado por José Garcia Domingues em
“Ossónoba na Época Árabe”. Da mesma forma, também Helena Catarino – talvez por
influência de Domingues - refere ter sido por esta altura que Abd al-azir,
filho do governador do Norte de África, Musa ibn Nusair, terá conquistado
definitivamente o Algarve. Contudo, novas interpretações têm surgido nos
últimos tempos. Segundo “Fath al-Andalus y la incorporación de Occidente a Dar
al-Islam”, do catedrático Ahmed Tahiri, não terá sido Musa ibn Nusair a
conquistar Sevilha pela força, mas sim Tarik Ali Ibn Zyad, mediante um acordo
de capitulação onde estaria previsto o pagamento de um tributo.
Ora, a verdade é que a História é
frequentemente escrita pelos vencedores, ou pelo lado mais forte… Sendo Tarik
Ali Ibn Zyad um subalterno de Musa ibn Nusair, não seria digno se aquele
ficasse com toda a glória, pelo que, segundo as fontes, terá sido Musa ibn
Nusair e o seu filho a submeter a kura
de Ossónoba (designação que corresponde à actual região Algarve). No entanto,
estarão as fontes correctas? Ou terão as crónicas sido redigidas de acordo com
as conveniências políticas de Musa ibn Nusair?
Seja como for, longe vão os tempos
em que acreditava numa conquista sangrenta do Gharb al Andaluz. De um modo geral,
as populações cristãs da Península Ibérica que foram submetidas pelos
muçulmanos podem ser divididas em dois grupos: as conquistadas pela força das
armas, principalmente as da planície andaluza; e as que na sequência dessa
conquista, vendo a impossibilidade da luta, se renderam por capitulação. É
provável que a conquista da cidade de Ossónoba - principal núcleo urbano da
região até à conquista islâmica do al-Andaluz - se tenha dado através de
negociações entre os governadores hispano-godos e os invasores muçulmanos, sem
recurso à força. Fundamentamos esta teoria na medida em que muito dificilmente
as forças da cidade conseguiriam resistir ao exército de Abd al-azir (ou até
mesmo de Tarik). Por outro lado, data de 713 o mais antigo documento hispano-muçulmano
conhecido: o tratado de Teodomiro, pelo que se torna verosímil que outras
cidades hispano-godas, como Ossónoba, tenham encetado semelhantes negociações
para a capitulação a favor dos governantes muçulmanos. Ora, é bem provável que
os governantes de Ossónoba tenham procedido do mesmo modo, de maneira a
salvaguardarem os seus interesses, pois temos conhecimento das facilidades
concedidas a cidades como Santarém ou Coimbra, tomadas por capitulação.
De um modo geral, o mais provável é que tanto
a cidade como a região de Ossónoba tenham sido anexadas depois de conquistado o
núcleo urbano de maior importância, ou seja: Sevilha. Por outro lado, se a
conquista de Sevilha se deu efectivamente em Julho/Agosto de 712, é possível
que a região do Algarve tenha sido anexada por capitulação no mesmo verão,
razão pela qual aqui assinalamos, simbolicamente, os 1300 anos do início do
domínio islâmico na região do Algarve.
Jornal Postal do Algarve, Nº1085, 3
de Agosto de 2012, p.9.
6 comentários:
Ahmed Tahiri, que menciona neste artigo, tem, na publicação "Ibn Darraj al-Qastalli" uma referência a Balsa, como topónimo que pode estar na origem de Qastalli (Cacela), cujo domínio teria sido entregue por Tarik a um certo berbere de nome Darraj, eventualmente sétimo avô do poeta Ibn Darraj al-Qastalli.
Sr. António Baeta, antes de mais obrigado pela sua atenção e pelo interesse manifestado. Eu, particularmente, não creio que o topónimo "Balsa" deva ser associado à Qastalla islâmica por um conjunto de razões que se prendem com motivos de carácter cronolófico, linguístico e geográfico. Para o caso de Balsa, é possível que o topónimo remonte ao designado periodo orientalizante (séc. VIII - VI a. C.)e à fundação de uma feitoria fenícia na foz do Rio Gilão. Até porque o topónimo "Balsa" assemelha-se a "Baal Safon", divindade fenícia protectora dos navegantes. Os romanos mantiveram o nome nas duas "Balsas" por eles construídas no concelho de Tavira (uma ainda relativa ao periodo pré-romano e outra relativa ao periodo romano imperial), contudo, os espaços geográficos destas "Balsas" não correspondem à localização da qastalla islâmica, situada vários quilómetros para Este e em cronologia posterior em vários séculos. Acresce ainda que a transcrição fonética de Balsa em nada se assemelha a Quastalla. Os muçulmanos tinham a tradição de ocupar as antigas "civitas" romanas, mantendo o carácter toponímico, embora adaptando-o à sua realidade linguística. Um exemplo reside no nome latino de Faro, ou seja; "OSSONOBA" que, na trancrição fonética para árabe passa a "Ukxûnuba". Ora, tal caso não acontece entre Balsa e Qastalla. Sublinhe-se que tenho grande respeito e admiração pelo trabalho do Ahmed, mas no que respeita a este assunto tenho uma interpretação diferente.
Obrigado pelo esclarecimento.
Obrigado pelo seu esclarecimento.
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