O Algarve Esquecido: O Algarve Dalém
Mar
Não
deixa de ser curioso o fascínio que, desde sempre, as terras de Marrocos têm
representado no imaginário português. A Batalha de Alcácer Quibir, conhecida em
Marrocos como Batalha dos Três Reis ou batalha do wâd Mahzane (rio perto do qual se travou a batalha), deixou marcas
profundas na mentalidade portuguesa, sendo a lenda de D. Sebastião e o
“sebastianismo” uma consequente realidade daí resultante.
A verdade é que existe um
profundo desconhecimento por parte da generalidade dos portugueses em relação à
empresa norte africana, cujos contornos começaram a ser lenta e paulatinamente
desenhados pela dinastia de Avis. Qual a razão desta falta de conhecimento? Com
efeito, parece que a historiografia nacional sempre olhou com certa
desconfiança ou mesmo com alguma displicência, a guerra portuguesa no Algarve
de Dalém Mar. A verdade é que a guerra em Marrocos não foi menos nobre que as
outras guerras travadas pelos portugueses nos outros cenários bélicos
espalhados um pouco por todo o mundo. Muito pelo contrário. Assim sendo, a que
se deve a falta de importância concedida à presença militar portuguesa em
Marrocos? A questão parece ter sido, desde sempre, analisada erroneamente pela
historiografia nacional, pois ao invés de encararmos a presença portuguesa em Marrocos
como uma colonização mal sucedida, devemos antes encará-la como o que
efectivamente foi, pelo menos a partir do desastre de Mamora de 1515, ou seja:
uma autêntica “escola prática de guerra” destinada a formar os fronteiros e
demais efectivos militares num cenário bélico sangrento e hostil, para
posteriormente serem enviados para outras possessões portuguesas, nomeadamente
na África oriental, Índia e restante Ásia.
Se analisarmos
atentamente as carreiras militares dos capitães que serviram em Ceuta, Alcácer Ceguer,
Tânger, Arzila, Azamor, Mazagão, Safim e Santa Cruz do Cabo Guê, rapidamente
nos apercebemos que estes militares eram frequentemente nomeados para os
governos de regiões e possessões economicamente mais importantes, nomeadamente
no Brasil ou outros lugares de relevância pertencentes a Portugal, depois de
servirem nas praças portuguesas do Norte de África. Ora, não podemos partir do
inverosímil pressuposto que a política portuguesa face a Marrocos dos inícios
do séc. XV fosse igual à política marroquina de meados do séc. XVI ou à de
finais do séc. XVIII! A guerra portuguesa no Algarve Dalém Mar sempre atendeu e
adaptou-se aos interesses dos mais variados monarcas portugueses, não devendo
ser esquecida, mas antes valorizada por ter servido de “escola prática de
guerra” aos sucessos militares portugueses verificados no mundo da Idade
Moderna.
Jornal do Baixo Guadiana,
Nª 141, Fevereiro de 2012, p.20.
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