No âmbito dos conhecimentos
adquiridos ao longo da licenciatura em Património Cultural, decidi, para tema
de monografia de seminário, abordar a história da praça de Mazagão no contexto
da expansão portuguesa para o Norte de África. Fundada em 1513, no contexto do
espírito de cruzada invocado pela dinastia de Avis, foi uma das mais
importantes praças que Portugal possuiu no Algarve de Além Mar e, aquela em que
os portugueses mais tempo subsistiram (desde 1513 a 1769), quando numa profunda
alteração da estratégia colonial, o Marquês de Pombal manda transferir toda a
população da cidade para Nova Mazagão, no Brasil.
Esta antiga possessão
portuguesa, enquanto herança patrimonial edificada, é uma praça precocemente
moderna, um exemplar de arquitectura militar do Renascimento, construída no
contexto da reformulação da estratégia Norte Africana de D. João III. Trata-se
do primeiro grande baluarte construído fora da Europa e em espaço do império
português, projectado por Benedetto de Ravena e construído pelo
mestre-pedreiro, João de Castilho, segundo os princípios do sistema abaluartado
“à italiana”. Assim sendo, um autêntico bem patrimonial que testemunha a dura
realidade em que os portugueses subsistiram nas praças lusas do Norte de África
e o paradigma da herança cultural e arquitectónica que os portugueses deixaram
em Marrocos.
A metodologia de trabalho
utilizada para esta monografia de seminário baseou-se, para além necessária
recolha bibliográfica sobre o assunto, num estudo in loco, de modo a recolher bibliografia marroquina existente e a
visualizar e documentar o estado das estruturas desta antiga possessão
portuguesa. O resultado deste estudo foi, infelizmente, assinalado pela
decepção subjacente à busca das fontes locais e ao lamentável estado em que se
encontra este monumento. As investigações realizadas no terreno, junto das
entidades culturais da região, revelaram-se um lamentável fracasso pautado quer
pela quase total inexistência de bibliografia marroquina, quer pela ignorância
da população local relativamente às eventuais informações que poderiam ser
facultadas pela tradição oral. Da experiência do estudo in loco, acabo, inevitavelmente, por concluir que a grande
generalidade dos marroquinos não tem noção do valor patrimonial deste monumento
de interesse histórico, arquitectónico e arqueológico, classificado pela
UNESCO, em 2004, como património da humanidade.
Da fortaleza, o que
melhor se encontra conservado são os muros, os baluartes e a cisterna. O
traçado das ruas sofreu variadas modificações sem, no entanto, perder a
toponímia portuguesa. Do castelo manuelino subsistem ainda restos das torres e
as galerias. De todas as construções de cariz religioso restam apenas duas
igrejas; a Igreja de Nossa senhora da Assunção e a Capela de São Sebastião.
Infelizmente, os elevados níveis de degradação no interior da fortaleza e a
abundante lixeira a céu aberto que os actuais moradores da “cité portugaise”
tão orgulhosamente insistem em preservar são o espelho do vergonhoso estado em
que este monumento se encontra. Os edifícios civis encontram-se num lamentável
estado de degradação e modificados em relação ao traçado português. No que se
refere ao espólio arqueológico, alguma epigrafia e outros restos de material
bélico encontram-se guardados numa espécie de “núcleo museológico”, instalado numa
galeria do edifício do antigo castelo, para além dos poucos canhões portugueses
que miraculosamente subsistem nos baluartes.
Grosso modo, o lamentável estado de conservação verificável no interior
da fortaleza de Mazagão, classificada pela UNESCO como património da
humanidade, é uma situação que nem honra os antepassados marroquinos que
lutaram contra o invasor português, nem prestigia as instituições marroquinas,
alegadamente responsáveis pela preservação e defesa do património, como o
Centre du Patrimoine Luso-Marrocain, organismo dependente do Ministère de la
Culture do reino de Marrocos.
Dadas as circunstâncias,
coloca-se uma questão: até quando conseguirão as entidades responsáveis
marroquinas manter o estatuto de Mazagão enquanto Património da Humanidade?
Será a fortaleza de Mazagão um caso pontual ou tratar-se-á antes do triste fado
dos demais monumentos de origem portuguesa no mundo, mesmo quando supostamente
protegidos ao abrigo da classificação da UNESCO? É uma questão que deixo no ar…
Jornal do Algarve
Magazine, Nº2805, 30 de Dezembro de 2010, p.16.
1 comentário:
Bravo, rapaz. Vejo que andas a colocar o dedo em certas feridas... com muita propriedade, devo salientar.
Não me espanta a escassez de fontes in loco, antes apontaria para a centralização desses fundos no então reino de Portugal.
Por certo encontrarás algo na Torre do Tombo, como o regimento dos governadores de 1502 (procura na digitarq, aparece muita coisa),e outros relativos ao ano de 1677 na Bib. Nacional (http://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/383).
Outra coisa: a propósito da retirada com Pombal, não se ficou a dever à guerra que se travava, forçando a transferência dos colonos? Marca, por certo, a desistência de Portugal, por não fortalecer mais a oposição armada, mas os momentos eram difíceis. Bem, já viste, puseste-me a discutir vivamente o assunto. Gostei! Vou continuar a explorar, tens por aqui textos com muito nível.
Ti xau!
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