Assinala-se no dia 26 de Junho de
2012, os 27 anos da geminação Faro – Tânger. Contudo, saberão os munícipes
farenses a que se deve esta geminação? Aliás, saberão as entidades políticas
responsáveis por esta geminação quais os laços históricos que unem as duas
cidades envolvidas? É possível que não, mas a verdade é que também ninguém
espera que os políticos sejam pessoas assaz esclarecidas… Desengane-se quem
romanticamente reivindica o passado islâmico da cidade de Faro enquanto causa
única desta geminação. É certo que os mais de cinco séculos de domínio
muçulmano em Faro deixaram marcas inegáveis na identidade patrimonial da cidade
e da região… mas será essa a única razão? Desengane-se quem inocentemente
acredita que uma das causas da geminação possa residir na estória de Faro ter
sido conquistado sem derramamento de sangue (basta ler a Crónica da Conquista
do Algarve para percebermos que houve confrontos antes de Sancta Maria de
Faroon ser entregue a D. Afonso III). Desengane-se quem encontra no Foral dos Mouros
Forros de Silves, Tavira, Loulé e Santa Maria de Faro um documento que visa
proteger a comunidade islâmica dos judeus e dos cristãos… A verdade é que mais
razões históricas unem estas duas cidades à beira mar plantadas.
Por várias vezes tentaram os portugueses
conquistar Tânger sem sucesso. Tentou-o o infante D. Henrique e D. Afonso V,
até que finalmente a cidade foi ocupada pelos portugueses, após a conquista de
Arzila, em 1471. Tânger viria a ficar sob domínio português até 1661, ano em
que é cedida à Inglaterra como dote de Casamento entre a filha de D. João IV,
Catarina de Bragança, e o rei Carlos II de Inglaterra. Após o abandono de
Tânger, uma parte considerável das antigas famílias portuguesas daquela praça
desembarcaram em Faro, optado por se fixarem na “cidade principal do Reyno do
Algarve”. Romero de Magalhães, em O Algarve Económico 1600 – 1773, estima mesmo
que Faro recebeu em 1662, 78 casais, com 270 pessoas, vindas de Tânger.
Ainda assim, serão estas todas as
causas para a geminação destas duas cidades? Não. De facto, os laços entre os
dois países e as duas cidades só viriam a estreitar-se após a assinatura do
Tratado de Paz entre Portugal e Marrocos de 1774, pelo que a nomeação de um
cônsul português em Tânger acabou por resultar numa peça fundamental no êxito
das relações diplomáticas luso-marroquinas. Sucederam-se embaixadas entre ambos
os Estados e de tal forma a confiança cresceu que, em 1780, uma parte do
tesouro de Marrocos foi colocado em Lisboa, sob a custódia da rainha D. Maria I.
Othman Mansouri, da Universidade de Casablanca, refere mesmo que por essa
altura “uma intensa actividade comercial desenvolveu-se entre as cidades de
Tânger e Faro”, nomeadamente no que se refere a produtos como frutos secos,
azeite ou manteiga.
Com a morte do califa Muley
al-Yazid, em14 de Fevereiro de 1792, Portugal apoiou abertamente Muley
al-Suleiman na sua pretensão ao trono. Desta feita, a Coroa portuguesa deu
instruções ao cônsul português em Tânger, proibindo os navios portugueses de
frequentarem os portos controlados pelos paxás rebeldes. O apoio do governo
português foi de tal modo importante para Muley al-Suleiman que este deu ordem
para serem exportados para Portugal a maior quantidade possível de trigo e
gado, quando em 1796 os portugueses sentiram a escassez destes produtos.
A verdade é que Marrocos precisava
de auxílio militar português para vencer os rebeldes e pacificar o país. Com
efeito, Marrocos recebeu de Portugal um considerável auxílio militar em Junho
de 1797. Esta ajuda militar portuguesa permitiu que o sultão pudesse entrar em
Marraquexe pela primeira vez, em Julho de 1797. De facto, a paga pelo apoio
militar português não tardou, nomeadamente durante a guerra contra os franceses
e no que se refere à exportação de cereais e gado: os navios de guerra
portugueses encontravam refúgio em Tânger e ali iam livremente reabastecer-se.
De um modo geral, bem podemos concluir que o apoio de Marrocos nos anos da
Guerra Peninsular foi de extrema importância para Portugal e para o Algarve,
uma vez que a viabilização de víveres contribuiu significativamente para o
êxito do esforço de guerra contra a ocupação francesa.
Reunidas todas estas razões
carácter histórico bem nos podemos voltar a perguntar o porquê da geminação
entre Tânger e Faro em 26 de Junho de 1985… Por geminação não devemos
compreender um protocolo oficial de modo a fomentar intercâmbios culturais? Não
deverão duas cidades geminadas potenciar o desenvolvimento intercultural com
vista à aproximação entre os povos irmanados? Se assim é o fica a
desconfortável impressão que pouco tem sido feito neste sentido. Para os mais
desatentos fica ainda o convite para uma visita à Place de Faro, em Tânger,
assim como à Praça de Tânger, em Faro, onde é possível encontrar duas
inscrições (uma em Português e outra em árabe), relativas à geminação destas
duas cidades.
Jornal Postal do Algarve, Nº 1082,
22 de Junho de 2012, p.23.
6 comentários:
Caro Fernando, bom dia. Tudo bem? Por inerência das minhas funções de técnico de relações internacionais, mas na região centro e responsável pelo processo de avaliação de vínculos de geminações, tenho alguma experiência e opiniões relativamente aos processos de geminações, que penso que seria interessante discuti-las contigo, se estiveres interessado.
Já voltaste a essa bela cidade que é VSRA?
Forte Canhota
Meu caro companheiro das lides escotistas, espero que esteja tudo bem contigo e folgo em ter notícias tuas. A tua opinião no que se refere a esta matéria é do maior interesse para mim. Sublinho que, do ponto de vista histórico, esta geminação parece-me reunir todas as condições, porém, fica a desconfortável impressão que pouco tem sido feito no sentido de incrementar o intercâmbio cultural subentendido nestes casos.
Forte camhota e boa caça,
Fernando Pessanha.
Fernando, que achas de escrevermos, em conjunto um breve ensaio acerca destas questões das geminações e o benefício que podiam trazer à economia algarvia? A minha tese de mestrado, assenta precisamente na diplomacia económica, assente em relacionamentos históricos portugueses. Diz-me alguma coisa.
Saudações, caro amigo!
Gostei bastante de ler este teu artigo e fico entusiasmada pela joinventure que vejo aqui esboçar-se! Excelente contributo.
Um abraço e vai partilhando mais textos!
Ana Leitão
"Unknown", muito me honra essa tua proposta, no entanto, devo prevenir-te que o meu mestrado não assenta em diplomacia económica mas sim em História do Algarve. O objecto de estudo da minha tese são as guarnições militares numa determinada região Do Algarve D'além Mar, em Marrocos, pelo que o meu contributo ficaria circunscrito às relações luso-marroquinas...
"Porta-Palavra", muito obrigado pelas palavras! É um prazer ver-te por aqui e espero que possas ir acompanhando os artigos que entretanto vou partilhando :)
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