domingo, 4 de agosto de 2013


O Concelho de Vila Real de Santo António e as Guerras Liberais

 


As designadas Guerras Liberais, resultantes dos confrontos entre o partido liberal de D. Pedro IV e o partido absolutista de D. Miguel, deram origem a inúmeros episódios dignos de registo, como o Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, ou a Batalha do Cabo de São Vicente, em 1833. Porém, também nos contextos locais houve episódios muito interessantes que, pelo seu valor histórico-patrimonial, merecem ser partilhados.

O Governador da praça de Vila Real de Santo António era, por esses anos, Sebastião Martins Mestre, oficial de infantaria que se distinguiu na resistência contra as invasões francesas. Numa carta datada de 18 de Janeiro de 1810, tecia o Marquês da Vila de Olhão rasgados elogios a Sebastião Martins Mestre pelo seu “patriotismo, honra e actividade na defesa da Gloriosa Religião do Príncipe e da Nação”. Contudo, e ainda que Sebastião Martins Mestre se tenha demonstrado entusiasta da Revolução Liberal Portuguesa de 1820, acabou por tornar-se num dos mais acérrimos defensores do partido absolutista. Ao ser nomeado governador da praça de Vila Real de Santo António, deu origem a uma administração pautada por perseguições aos simpatizantes do partido liberal e exercendo contra estes todos os tipos de crueldades. Segundo Ataíde de Oliveira, o governador perseguiu o pároco de Vila Real, José da Encarnação Almeida, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo, e toda a família Pessanha, que viu os seus bens serem confiscados e foram desterrados para Castro Verde. Entretanto, no dia 24 de Junho de 1833, desembarcaram na praia da Manta Rota as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira. Não tardaram os confrontos entre o governador de Vila Real de Santo António e os constitucionalistas, que acabaram por derrubar o poder local absolutista. Foi levantado um processo contra o ex-governador Sebastião Martins Mestre, pelo que acabou por ser preso de modo a responder em Lisboa pelos crimes de que era acusado. Ironicamente, foi nomeado comandante da escolta um membro da mesma família que o ex-governador tinha perseguido: Eusébio Frei Pessanha. Quis o destino que o acusado não chegasse a Lisboa, onde deveria ser julgado. Na madrugada da partida, um indivíduo emboscou a escolta. Lançando-se sobre o acusado, desferiu-lhe uma punhalada mortal, fazendo justiça pelas próprias mãos… E quem era este individuo? Era uma das pessoas anteriormente perseguidas pelo ex-governador, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo. O comandante da escolta ainda correu em auxílio do preso, mas era tarde demais; o antigo governador de Vila Real de Santo António tinha sido assassinado antes do julgamento. Mostra-nos a História que muitas vezes a sede de justiça popular sobrepõe-se à própria lei, frequentemente moldada em função dos interesses das classes instaladas no poder. É algo em que a classe política deveria reflectir…

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº156, Junho de 2013, p.21.