segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


Ayamonte, Castro Marim e a Restauração da Independência

 


No dia 1 de Dezembro do presente ano de 2012 assinalam-se os 372 anos da Restauração da Independência portuguesa. A “conspiração de 1640” – como dizem os nossos vizinhos espanhóis - foi planeada por D. Antão de Almada, D. Miguel de Almeida, e João Pinto Ribeiro, entre outros fidalgos portugueses. No sábado de 1 de Dezembro de 1640 entraram no Palácio de Lisboa, mataram o secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos, e aprisionaram Margarita de Sabóia, duquesa de Mântua, que governava Portugal em nome do seu primo, Felipe IV de Espanha. Aclamaram então o duque de Bragança como rei de Portugal, com o título de João IV, dando início à quarta dinastia, a dinastia de Bragança. Foram 28 anos de uma guerra pautada por inúmeras escaramuças, nas proximidades da fronteira, e cinco batalhas principais, todas elas ganhas pelos portugueses. Somente depois da batalha dos Montes Claros, em 17 de Junho de 1665, é que a paz foi estabelecida, através da assinatura do Tratado de Lisboa de 1668.

E Ayamonte? Qual o seu papel na Guerra da Restauração? Ora, antes de mais, devemos ter em consideração um facto deveras interessante. Gaspar Pérez de Guzmán y Gómez de Sandoval y Rojas, duque de Medina Sidónia, e cunhado do recém-aclamado rei de Portugal, encabeçou também uma rebelião pela independência da Andaluzia, auxiliado pelo seu primo Francisco Antonio de Guzmán y Zúñiga, o marquês de Ayamonte! Ao ser verificada a inactividade do duque na defensa da fronteira portuguesa, começou Madrid a suspeitar de uma conspiração andaluza que se veio a confirmar quando interceptada uma carta entre o duque de Medina Sidónia e o marquês de Ayamonte. Acresce ainda que os informadores que se encontravam em Portugal afirmavam a iminência de uma rebelião andaluza. Perante tal ameaça foram chamados os dois nobres à corte. Temendo o duque pela vida, chegou a um acordo com o valido, pedindo perdão ao rei e acusando de traição o seu primo. O marquês de Ayamonte acabou por ser decapitado no Alcázar de Segovia, em 1648. Terminavam assim os projectos de independência da Andaluzia e o relativo sossego na fronteira do Guadiana.

Perante a possibilidade de um ataque espanhol pelo Algarve, coube a Castro Marim, enquanto principal praça-forte da raia algarvia, a tarefa de defender a fronteira portuguesa. Tornava-se imperativa a construção de um sistema defensivo adaptado à realidade bélica do séc. XVII. Foi então concebido um sistema defensivo abaluartado, representativo da arquitectura militar moderna, e que resultou no Forte de São Sebastião, Revelim de Santo António e Bateria do Registo, logo em 1641, e na Cerca Seiscentista, em 1660. Além disso, houve a necessidade de reforçar a guarnição da praça com mais efectivos militares, pelo que o Governador do Algarve, Henrique Correia da Silva, acabou por enviar 2000 soldados para juntar aos 300 homens e 40 cavalos que a praça possuía em Dezembro de 1640. A verdade é que, ao contrário do que se passou no Alentejo e na Estremadura espanhola, onde se travaram a maioria das batalhas durante a Guerra da Restauração, os conflitos entre Castro Marim e Ayamonte resumiram-se a pequenas escaramuças marcadas por entradas clandestinas e roubos de gado.

No dia 1 de Dezembro do presente ano de 2012 assinalam-se os 372 anos da Restauração da Independência portuguesa. Mas, sejamos honestos… que independência? E de que valeu a Guerra da Restauração se os governantes portugueses insistem em vender o país aos interesses estrangeiros?
 
Jornal do Baixo Guadiana, Nº151, Dezembro de 2012, p.21.

terça-feira, 20 de novembro de 2012


Damião António de Lemos Faria e Castro
– um fidalgo algarvio refugiado em Ayamonte

 

Damião António de Lemos Faria e Castro, figura excêntrica e singular no contexto do Algarve setecentista, viveu entre 1715 e 1789 em Vila Nova de Portimão, terra que reivindica a memória da púnica Portus Hannibalis, e Faro, a Ossonoba da antiguidade. Em Vila Nova de Portimão, Faria e Castro cursou até cerca dos vinte anos a instrução elementar com os jesuítas, no Colégio de São Francisco Xavier. Mudou-se posteriormente para Faro, cidade mais propícia às necessidades culturais e “espirituais” do fidalgo algarvio e, onde efectivamente, instalou faustosa residência para viver “à lei da nobreza”.

Foi autor de “Aula da Nobreza Lusitana”, e de “História Geral de Portugal e suas Conquistas”, obras essas que recorrem frequentemente a autores espanhóis e que bem atestam as relações de Faria e Castro com o país vizinho. Não será, portanto, de estranhar que, quando perseguido pela justiça portuguesa, o nobre algarvio se tenha refugiado em Ayamonte durante cerca de dois anos, entre 1749 e 1750. A verdade é que Faria e Castro escrevia correntemente em castelhano, tendo mesmo sido autor de alguns opúsculos que mandou imprimir em Sevilha, o centro impressor mais próximo do Algarve. A dedicatória de Epifonema Epicédico, o primeiro opúsculo redigido em Ayamonte, data de 16 de Julho de 1749, e nele está presente uma homenagem à Rainha D. Maria Bárbara e um elogio ao Duque de Cadaval, falecido aquando da jornada que levou Faria e Castro ao exílio. Contudo, não ficou por aqui a produção literária deste pretenso educador da nobreza lusitana, durante os anos do seu exílio em Ayamonte. Redigiu inúmeras obras em língua portuguesa, mas também em língua castelhana, como o “Oraculo de si mismo, el Catholico, Grande, Augusto, y Invicto Monarca Don Fernando el VI. Rey de España…”, para além de outras obras que chegaram até nós manuscritas, como a “Relación Geográfico-Historica de algunos terrenos de la Frontera de Portugal, Y España, desde Ayamonte hasta Badajoz”. A sorte de Damião António de Lemos Faria e Castro acabou por mudar após o falecimento do rei D. João V. Em 12 de Agosto de 1750 escreveu uma dedicatória ao novo rei português, D. José I e, uma vez perdoado, pôde finalmente regressar a Faro, no final desse mesmo ano.

De salientar que, anos mais tarde, em 1776, o próprio Faria e Castro esteve presente nas festas da inauguração de Vila Real de Santo António, tendo mesmo descrito as festividades nos capítulos I e II do Livro III do derradeiro tomo de “História Geral de Portugal e suas Conquistas”, (recusado pela censura em 1787). Descrição onde não deixa de manifestar a sua hostilidade em relação à decisão do Marquês de Pombal em proceder à “nova fundação da notável Vila Real nos areais do Guadiana para fazer frente a Ayamonte”, a sua acarinhada cidade dos tempos do “degredo”…

Para a História fica o exílio deste nobre algarvio em Ayamonte, e para eventuais interessados na biografia desta interessante figura do séc. XVIII português, recomenda-se ainda a leitura de “Cultura e Política no Algarve Setecentista – Damião Faria e Castro, (1715-1789), aturada obra da autoria do Prof. Doutor António Rosa Mendes, e publicada pela editora Gente Singular.


Jornal do Baixo Guadiana, Nº150, Novembro de 2012, p.21.


 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


23 de Abril de 1515 –

O Ataque dos Portugueses a Marraquexe

                                                                                     

O dia 23 de Abril de 2012 assinala os 497 anos de uma acção militar tão arrojada quanto desconhecida pela generalidade dos portugueses: o ataque luso à cidade de Marraquexe! Com efeito, em 1514, depois de os portugueses terem conquistado Azamor, vencido a Batalha dos Alcaides, e feito tributários as tribos mouras daquela região, o reino de Marraquexe tremeu e solicitou a vassalagem a Portugal através de carta enviada a D. Manuel. O monarca português não tardou a passar o salvo-conduto e a enviar Fernão Dias para negociar as condições de vassalagem. Não sabemos, contudo, o resultado destas negociações nem se realmente chegaram a existir.

A verdade é que em Abril de 1515, os capitães das praças de Azamor, D. Pedro de Sousa, e de Mazagão, Martim Afonso de Melo, uniram forças com o capitão de Safim, Nuno Fernandes de Ataíde e, juntamente com os mouros de pazes, atacaram Marraquexe. Juntaram quase 3000 cavaleiros e alguns peões, e a 21 de Abril marcharam pelas planícies da Duquela em direcção à antiga capital dos almorávidas e dos almóadas. No dia 23 de Abril de 1515, depois de passarem o rio Tencift, os portugueses avistaram o minarete da imponente mesquita da Coutobia. O comandante desta ofensiva militar, Nuno Fernandes de Ataíde (membro da fidalguia que se estabeleceu no Algarve no decurso da Expansão Portuguesa para o Norte de África e um dos mais brilhantes capitães de toda a história da presença portuguesa nos Algarves Dalém Mar), passou o seu guião ao genro, D. Afonso de Faro, e a bandeira a Álvaro de Ataíde.

Ora, apesar de decaída do seu antigo esplendor, Marraquexe era uma cidade extremamente populosa e enorme. As suas muralhas tinham 12 quilómetros de perímetro, 5 metros de altura e 2 de espessura! Ao verem a cidade cercada, os mouros saíram das muralhas que protegiam Marraquexe para lutar em terreno aberto. O combate que se seguiu foi de tal modo violento que Nuno Fernandes de Ataíde, apercebendo-se da desproporção numérica entre as forças em confronto, deu ordem de retirada receando um grande desastre. No dia 25 de Abril de 1515, chegavam as forças portuguesas a Safim, Mazagão e Azamor. Nada se ganhara a não ser a glória do feito, muito ao gosto do belicoso Nuno Fernandes de Ataíde. Por esses anos a fantasiada lusa não parecia conhecer limites, pelo que fica para a História o desplante de pretender conquistar Marraquexe com uns escassos 3000 homens! E, contudo, sejamos honestos: de que vale criticar a prosápia dos portugueses desse tempo se os de hoje, não obstante as circunstâncias, ainda pecam pelos mesmos defeitos?

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 143, Abril de 2012, p.26.
Jornal do Algarve, Nº2873, 19 de Abril de 2012, p.19.

domingo, 7 de outubro de 2012


O Algarve Esquecido: O Algarve Dalém Mar  

 

 

         Não deixa de ser curioso o fascínio que, desde sempre, as terras de Marrocos têm representado no imaginário português. A Batalha de Alcácer Quibir, conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis ou batalha do wâd Mahzane (rio perto do qual se travou a batalha), deixou marcas profundas na mentalidade portuguesa, sendo a lenda de D. Sebastião e o “sebastianismo” uma consequente realidade daí resultante.

A verdade é que existe um profundo desconhecimento por parte da generalidade dos portugueses em relação à empresa norte africana, cujos contornos começaram a ser lenta e paulatinamente desenhados pela dinastia de Avis. Qual a razão desta falta de conhecimento? Com efeito, parece que a historiografia nacional sempre olhou com certa desconfiança ou mesmo com alguma displicência, a guerra portuguesa no Algarve de Dalém Mar. A verdade é que a guerra em Marrocos não foi menos nobre que as outras guerras travadas pelos portugueses nos outros cenários bélicos espalhados um pouco por todo o mundo. Muito pelo contrário. Assim sendo, a que se deve a falta de importância concedida à presença militar portuguesa em Marrocos? A questão parece ter sido, desde sempre, analisada erroneamente pela historiografia nacional, pois ao invés de encararmos a presença portuguesa em Marrocos como uma colonização mal sucedida, devemos antes encará-la como o que efectivamente foi, pelo menos a partir do desastre de Mamora de 1515, ou seja: uma autêntica “escola prática de guerra” destinada a formar os fronteiros e demais efectivos militares num cenário bélico sangrento e hostil, para posteriormente serem enviados para outras possessões portuguesas, nomeadamente na África oriental, Índia e restante Ásia.

Se analisarmos atentamente as carreiras militares dos capitães que serviram em Ceuta, Alcácer Ceguer, Tânger, Arzila, Azamor, Mazagão, Safim e Santa Cruz do Cabo Guê, rapidamente nos apercebemos que estes militares eram frequentemente nomeados para os governos de regiões e possessões economicamente mais importantes, nomeadamente no Brasil ou outros lugares de relevância pertencentes a Portugal, depois de servirem nas praças portuguesas do Norte de África. Ora, não podemos partir do inverosímil pressuposto que a política portuguesa face a Marrocos dos inícios do séc. XV fosse igual à política marroquina de meados do séc. XVI ou à de finais do séc. XVIII! A guerra portuguesa no Algarve Dalém Mar sempre atendeu e adaptou-se aos interesses dos mais variados monarcas portugueses, não devendo ser esquecida, mas antes valorizada por ter servido de “escola prática de guerra” aos sucessos militares portugueses verificados no mundo da Idade Moderna.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 141, Fevereiro de 2012, p.20.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Alcoutim – Terra com História

 

 

A presença humana no território correspondente ao concelho de Alcoutim poderá remontar ao Paleolítico Médio, uma vez que, recentemente, foram descobertos vestígios arqueológicos deste período na freguesia do Pereiro. É provável que a fixação das populações humanas se tenha dado a partir do Neolítico, como podemos depreender pelos megálitos que se encontram espalhados um pouco por todo o concelho. Também as necrópoles da Idade do Bronze e do Ferro apontam para a continuidade da ocupação das comunidades humanas no território. Do período romano existem vestígios arqueológicos que atestam a existência de comunidades organizadas, sobretudo na zona litoral, onde se encontram os melhores terrenos agrícolas. Neste sentido, o rio Guadiana desempenhava um papel fundamental como via de penetração nos territórios a norte, assim como no escoamento de produtos de e para o Mediterrâneo. Também a presença visigoda está atestada em Alcoutim. O sítio arqueológico junto à localidade ribeirinha do Montinho das Laranjeiras, a cerca de oito quilómetros a sul da vila, aponta para uma continuidade de ocupação visigoda neste espaço originalmente romano.

A presença islâmica em Alcoutim ficou registada não só na toponímia, como também numa centena de sítios identificados até ao momento. A conquista cristã teve lugar no reinado de D. Sancho II e terá ocorrido entre 1238, ano em que foi conquista Mértola, e 1239, ano da conquista de Ayamonte. O foral, concedido por D. Dinis, data de 9 de Janeiro de 1304 e viria a ser reformado por D. Manuel em 20 de Março de 1520.

Nos finais do séc. XV, Alcoutim tornou-se num condado dos marqueses de Vila Real. A família Meneses, que deu origem a diversos governadores de Ceuta, manteve este condado de Alcoutim até ao séc. XVII, quando os seus bens foram integrados na casa do infantado.

A verdade é que a constituição de Alcoutim não pode ser distanciada da sua posição geoestratégica, comercial e militar. Contudo, depois das lutas liberais do séc. XIX em que a vila é ocupada pelos miguelistas, Alcoutim acaba por perder essa posição estratégica e militar e é incorporada nos concelhos vizinhos. O concelho, reorganizado desde finais do séc. XIX em cinco freguesias, apresenta-se hoje como um interessante espaço de lazer para apreciadores do património natural, histórico e cultural.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 139, Dezembro de 2011, p.25.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


A Nobreza no Algarve     

      

 

 

A ideia de uma verdadeira nobreza no Reino do Algarve nem sempre foi consensual entre os historiadores, tendo mesmo vindo a ser assunto de discussão entre a comunidade académica ao longo dos últimos anos. Como diria Joaquim Romero de Magalhães, em O Algarve Económico (1600-1773), no Algarve “nada é grande, e não há Grandes”. Contudo, talvez devêssemos analisar mais atentamente o assunto.

A verdade é que, desde sempre, o Algarve foi uma região periférica, marginal e marginalizada no contexto português, uma região física e politicamente distante da corte e do centro das decisões políticas. Assim sendo, será que podemos falar numa verdadeira nobreza no Algarve? Ora vejamos: parte da conquista do território algarvio aos mouros foi levada a cabo pela Ordem de Santiago, através da acção de D. Paio Peres Correia, sem que a grande nobreza estivesse envolvida. Se exceptuarmos a conquista de Ayamonte, onde alegadamente terá estado presente D. Sancho II, só voltamos a ter a presença de um monarca na conquista de Faro, onde se notou uma considerável ausência da nobreza convocada para a dita empresa.

Porém, a Expansão Portuguesa para o Norte de África, no decorrer do séc. XV e XVI, acabaria por fixar algumas famílias nobres no Reino do Algarve, tal como o comprovam os estudos mais recentes. Miguel Côrte-Real, por exemplo, defende que a nobreza do Algarve - mesmo que se tratasse de uma baixa nobreza - detinha na região o poder militar, judicial, político e simbólico, o que parece vir de encontro ao testemunho deixado em 1577 por Frei João de São José. A sua Chorographia do Reino do Algarve refere o seguinte em relação à nobreza de Tavira: “porque Tavira é povoada de toda ou da mais fidalguia do reino e nela se acham pessoas de todas as gerações nobres de Portugal, porque, como da conquista dos lugares de África em que os reis trabalharam muito tempo, esta fosse a escala, onde todos acudiam, achando-se os homens nela favorecidos pela natureza, fizeram nela seu assento. Há nela Melos, Cunhas, Corte-Reais, Paçanhas, Barretos, Pantojas, Correas, Ichoas, Viegas e outra muita gente nobre que nela mora e que está derramada por suas quintas e fazendas”.

É neste contexto que encontramos no Algarve fidalgos que acumularam títulos e rendas em virtude das suas glórias militares em Marrocos, como os Ataídes, ligados à capitania de Safim, ou os Menezes, ligados à capitania de Ceuta. No entanto, o paulatino abandono das praças marroquinas, a partir de meados do séc. XVI, trouxe a decadência económica e urbana ao Algarve, responsável pelo socorro e abastecimento das possessões no Algarve Dalém Mar. Os séculos XVII e XVIII acabaram por lançar a nobreza algarvia a um isolamento forçado, ruralizando os fidalgos nas suas quintas, e tornando-os nos nobres de província que viriam a contrair matrimónio com a plebe endinheirada; uns com o título, outros com o dinheiro, ou seja: juntava-se a fome com a vontade de comer. E onde anda actualmente essa baixa nobreza de outrora? Por aí… cruzamo-nos com eles todos os dias, nas ruas das nossas cidades algarvias.
Jornal do Baixo Guadiana, Nº148, Setembro de 2012, p.21.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Castro Marim, terra com História


 

 

 

A presença humana em Castro Marim remonta a milhares de anos e, desde então, seu espaço foi sistematicamente ocupado até à contemporaneidade. A sua localização geográfica, nas proximidades da foz do Rio Guadiana, permitiu o estabelecimento de povos oriundos do Mediterrâneo a partir do período orientalizante, ou seja; séculos VIII e VII, a. C. Sabemos, através dos registos arqueológicos e das fontes históricas da antiguidade, que Baesuris (topónimo indígena citado no Itinerário de Antonino Pio para designar Castro Marim na antiguidade) foi ocupada por fenícios, gregos, cartagineses e romanos e que estes povos usaram o Guadiana para estabelecer contactos comerciais com as populações autóctones.

No decurso da conquista cristã, e através da acção de D. Paio Peres Correia e da ordem de Santiago, Castro Marim foi conquistada aos mouros, por volta de 1242. A importância que esta terra veio a ganhar do decorrer do séc. XIII deveu-se, essencialmente, à sua localização estratégica enquanto fronteira política e administrativa com o Reino de Castela e pela sua proximidade a Marrocos. Deste modo, tornou-se imperativa a adopção de uma política de repovoamento que assegurasse a defesa das fronteiras portuguesas. É neste sentido, que Castro Marim veio a usufruir dos necessários privilégios concedidos por D. Afonso III, nomeadamente com a construção do castelo em 1274, que acolheu a primeira sede da Ordem de Cristo, em 1319, já durante o reinado de D. Dinis. No entanto, alguns anos depois, em 1356, a ordem foi transferida para Tomar, pelo que a sua população voltou a reduzir significativamente.

Não obstante a transladação da ordem, a importância defensiva e comercial de Castro Marim manteve-se. É neste contexto que, em 1450, Manuel Pessanha é nomeado por D. Afonso V para guardar e defender os portos do Algarve, inclusive o de Castro Marim. A importância estratégica da terra ao longo do século XV e XVI foi de tal forma que, em 1573, a vila recebeu a visita do Rei D. Sebastião quando este já planeava a conquista de Marrocos. O papel defensivo de Castro Marim acabou por estar sempre presente ao longo de toda a história de Portugal. Esteve presente durante a Guerra da Restauração (1640 - 1668), durante a Guerra das Laranjas (1801) ou mesmo durante as invasões francesas (1808). Dadas as circunstâncias, nunca é tarde para relembrar a dívida histórica que Portugal tem para com Castro Marim.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 140, Janeiro de 2012, p.24.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

António Leite – Capitão nas praças do Norte de África e Senhor de Arenilha



 

António Leite foi o protótipo do cavaleiro português da era de quinhentos que, através da carreira das armas e dos serviços prestados à Coroa em Alcácer Ceguer, Azamor e Mazagão, viu os seus esforços serem coroados com honras e títulos. Oriundo de uma família do Porto ligada à actividade mercantil e com vínculos à Casa Real, foi feito cavaleiro e nomeado contador de Azamor em 1514.

Com efeito, a presença militar em Marrocos implicou, desde logo, a fixação de oficiais régios, muitas vezes pertencentes à pequena nobreza, para desempenhar cargos de chefia militar e administrativa nas praças do Algarve Dalém. António Leite, que mais tarde viria a ser Senhor de Arenilha, foi um desses capitães que, bem ao espírito da época, procurou a promoção social através da carreira das armas no teatro de guerra hostil e sangrento que era a cruzada portuguesa em Marrocos. Entretanto, em 8 de Fevereiro de 1513, pouco antes da conquista de Azamor e da construção do castelo de Mazagão, fora criado um couto de homiziados em Arenilha, através Carta de privilégio concedida por D. Manuel. Com o passar do tempo, António Leite foi ascendendo na hierarquia militar, estabelecendo relações com outros oficiais da Coroa e com figuras importantes, pertencentes às forças mouras. É neste contexto que foi nomeado capitão de Mazagão, em 1516, cargo que exerceu com as devidas intermitências até 1535. Tal como podemos acompanhar pela Crónica Militar desta praça, o seu governo foi assinalado por grandes provas de competência e valentia, tendo mesmo desbaratado em Dezembro de 1521 um xeque da região da Enxovia e resistido ao cerco que o rei de Fez pôs a Mazagão em finais de 1525. Foi também capitão de Azamor de 1529 a 1530, e de 1537 a 1541, tendo igualmente demonstrado provas da sua competência. Aquando da Reformulação da Estratégia Norte Africana de D. João III, o seu profundo conhecimento da realidade marroquina levou-o a desempenhar um importante papel nas negociações com o soberano de Fez, no contexto do avanço dos xarifes vindos do sul marroquino. Em 20 de Agosto de 1542, como recompensa pelos serviços prestados à Coroa, D. João III atribui-lhe o cargo vitalício de Senhor de Arenilha, ficando incumbido de povoar e proteger a margem portuguesa do Guadiana das incursões da pirataria berberesca.


Jornal do Algarve, Nº 2846, Outubro de 2011, p.14.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O Início do Domínio Islâmico no Algarve (Foi há 1300 anos)




O dia 31 de Julho do passado ano de 2011 assinalou os 1300 anos da batalha de Guadalete entre o exército visigodo do rei Rodrigo e as tropas e berberes e árabes lideradas por Tarik Ali Ibn Zyad. Com a derrota visigoda os muçulmanos acabaram por se estabelecer na Península Ibérica através de conquistas militares e de tratados de capitulação. E o Algarve? A partir de quando terá efectivamente ficado sob domínio islâmico?

Segundo a historiografia tradicional, depois de Tarik Ali Ibn Zyad atravessar o Estreito de Gibraltar e vencer a batalha de Guadalete, em 711, foi a vez do próprio governador do Norte de África, Musa ibn Nusair, deslocar-se ao al-Andaluz com um exército de cerca de 18000 soldados, desta vez composto na sua maioria por árabes. Era então iniciada a conquista da Andaluzia ocidental e do sul da Lusitânia? Segundo a arqueóloga Teresa Gamito, em 718 já estavam conquistadas todas as regiões da zona Ocidental da Andaluzia, inclusive “as cidades de Ossónoba, Balsa, Lacóbriga e Ipses”. Contudo, o mais provável é que as cidades da zona ocidental da Andaluzia como Balsa, Lacobriga, Ipses e Ossónoba, tenham sido anexadas logo depois de conquistados os núcleos urbanos hispano-visigodos de maior importância, como Sevilha, tomada pela força em Julho/Agosto de 712. De resto, este é um assunto meticulosamente abordado por José Garcia Domingues em “Ossónoba na Época Árabe”. Da mesma forma, também Helena Catarino – talvez por influência de Domingues - refere ter sido por esta altura que Abd al-azir, filho do governador do Norte de África, Musa ibn Nusair, terá conquistado definitivamente o Algarve. Contudo, novas interpretações têm surgido nos últimos tempos. Segundo “Fath al-Andalus y la incorporación de Occidente a Dar al-Islam”, do catedrático Ahmed Tahiri, não terá sido Musa ibn Nusair a conquistar Sevilha pela força, mas sim Tarik Ali Ibn Zyad, mediante um acordo de capitulação onde estaria previsto o pagamento de um tributo.

Ora, a verdade é que a História é frequentemente escrita pelos vencedores, ou pelo lado mais forte… Sendo Tarik Ali Ibn Zyad um subalterno de Musa ibn Nusair, não seria digno se aquele ficasse com toda a glória, pelo que, segundo as fontes, terá sido Musa ibn Nusair e o seu filho a submeter a kura de Ossónoba (designação que corresponde à actual região Algarve). No entanto, estarão as fontes correctas? Ou terão as crónicas sido redigidas de acordo com as conveniências políticas de Musa ibn Nusair?

Seja como for, longe vão os tempos em que acreditava numa conquista sangrenta do Gharb al Andaluz. De um modo geral, as populações cristãs da Península Ibérica que foram submetidas pelos muçulmanos podem ser divididas em dois grupos: as conquistadas pela força das armas, principalmente as da planície andaluza; e as que na sequência dessa conquista, vendo a impossibilidade da luta, se renderam por capitulação. É provável que a conquista da cidade de Ossónoba - principal núcleo urbano da região até à conquista islâmica do al-Andaluz - se tenha dado através de negociações entre os governadores hispano-godos e os invasores muçulmanos, sem recurso à força. Fundamentamos esta teoria na medida em que muito dificilmente as forças da cidade conseguiriam resistir ao exército de Abd al-azir (ou até mesmo de Tarik). Por outro lado, data de 713 o mais antigo documento hispano-muçulmano conhecido: o tratado de Teodomiro, pelo que se torna verosímil que outras cidades hispano-godas, como Ossónoba, tenham encetado semelhantes negociações para a capitulação a favor dos governantes muçulmanos. Ora, é bem provável que os governantes de Ossónoba tenham procedido do mesmo modo, de maneira a salvaguardarem os seus interesses, pois temos conhecimento das facilidades concedidas a cidades como Santarém ou Coimbra, tomadas por capitulação.

 De um modo geral, o mais provável é que tanto a cidade como a região de Ossónoba tenham sido anexadas depois de conquistado o núcleo urbano de maior importância, ou seja: Sevilha. Por outro lado, se a conquista de Sevilha se deu efectivamente em Julho/Agosto de 712, é possível que a região do Algarve tenha sido anexada por capitulação no mesmo verão, razão pela qual aqui assinalamos, simbolicamente, os 1300 anos do início do domínio islâmico na região do Algarve.



Jornal Postal do Algarve, Nº1085, 3 de Agosto de 2012, p.9.

sábado, 4 de agosto de 2012


O Baixo Guadiana e Alcácer Quibir




         O dia 4 de Agosto de 2012 assinala os 434 anos de um dos episódios mais catastróficos da História de Portugal: a Batalha de Alcácer Quibir, conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: ك الثلاث). Com a obsessiva ideia de D. Sebastião para a conquista de Marrocos – ideia já abandonada desde a reformulação da estratégia norte africana de D. João III -, o Algarve volta a captar as atenções da Coroa portuguesa. Com efeito, a “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando partiu da cidade de Évora – feita pelo cronista João Cascão”, dá-nos conta da primeira viagem de D. Sebastião ao Algarve, em 1573. O monarca não só inspeccionou as obras das fortificações para a defesa das costas algarvias contra a pirataria magrebina, como também estudou as condições estratégicas, geopolíticas e militares que permitissem uma campanha militar em Marrocos, onde Portugal conservava Ceuta e Tânger, a norte, e Mazagão, a sul. Já nas Cortes de 1562-1563 se determinava “que no Algarve se fação Fortalezas, onde parecem necessárias” e, de facto, a região do baixo Guadiana recebeu a visita do jovem monarca português uma década depois, verificando in loco o estado das fortalezas. Segundo o cronista João Cascão, D. Sebastião “veio ao longo da praia ver uma fortaleza, que está pegada com o mar, a duas léguas de Tavira, chama-se esta fortaleza Cacela”, passando depois a Castro Marim, onde visitou o castelo na companhia do Alcaide-Mor da Vila, António Melo (D. Sebastião visitou também Santo António de Arenilha e Ayamonte).

No entanto, um outro objectivo se prendia com a visita do Desejado: verificar como se cumpria o sistema das ordenanças no que se referia ao treino e serviço militar dos homens que as compunham, pois segundo a legislação em vigor a partir de 1569 – 1570, cada concelho deveria apresentar uma companhia de ordenanças, sob o comando de um capitão-mor. De facto, para além dos estrangeiros e dos mercenários contratados, foi exactamente do sul alentejano e do Algarve que saíram os principais contingentes destinados à malograda expedição de Alcácer Quibir. Nas ordenanças apresentadas a D. Sebastião aquando da sua visita ao baixo Guadiana, Castro Marim apresentou “duas bandeiras de Ordenança” (400 homens), tal como Alcoutim, que apresentou “duas bandeiras de Ordenança, as quais chegando-se a El-Rei fizeram uma salva de arcabuzaria”. Ora, este acaba por ser um número considerável se tivermos em consideração que Castro Marim, por exemplo, apresentava por essa altura uma população que rondava os duzentos e cinquenta “vizinhos”, ou seja: por volta de 1000 habitantes! Postos estes números podemos tirar uma de duas conclusões: ou o cronista João Cascão exagerou no número de homens de armas apresentados ao rei, ou praticamente todos os homens capazes de pegar em armas estavam integrados nas companhias de ordenanças! Se assim o é resta-nos uma última questão de difícil resposta: dos cerca de 9000 homens que perderam a vida na desastrosa batalha de Alcácer Quibir, quantos seriam provenientes da região do baixo Guadiana?



Jornal do Baixo Guadiana, Nº147, Agosto de 2012, p.21.

As Ordenanças do Algarve e Alcácer Quibir




          Muitos são os episódios da História de Portugal que passaram à posteridade graças aos gloriosos feitos dos portugueses. Outros episódios, porém, persistem nas brumas da memória colectiva pelas piores razões. Um desses episódios teve lugar no dia 4 de Agosto de 1578, pelo que o presente mês de Agosto de 2012 assinala os 434 anos de um dos mais funestos desastres da História de Portugal. Trata-se da batalha conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: ك الثلاث), mais conhecida em Portugal como Batalha de Alcácer Quibir, a mesma batalha onde cerca de 9000 homens perderam a vida. E o Algarve? De que maneira esteve envolvido nesse funesto episódio? De que maneira ficou afectado?

A verdade é que com o abandono de Safim, Azamor, Arzila e Alcácer Ceguer, no reinado de D. João III, a prosperidade do Reino do Algarve começou a declinar. Tavira, que na primeira metade do séc. XVI chegou a ter 3500 fogos, ou “vizinhos”, já se encontrava muito despovoada nos anos 70 da mesma centúria, não tendo por essa altura mais de 1500. Ora, com o obstinado plano de D. Sebastião para a conquista de Marrocos, o Reino do Algarve voltou a captar as atenções da Coroa portuguesa. Com efeito, a “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando partiu da cidade de Évora” do cronista João Cascão, dá-nos conta da viagem de D. Sebastião ao Algarve, em 1573. Durante esta viagem o monarca não só inspeccionou as obras nas fortificações para a defesa da costa algarvia, como também estudou as condições estratégicas, geopolíticas e militares que permitissem uma expedição militar em Marrocos, onde Portugal conservava Ceuta, Tânger e Mazagão. Já nas Cortes de 1562-1563 se determinava “que no Algarve se fação Fortalezas, onde parecem necessárias” e, de facto, o Reino do Algarve recebeu a visita do Desejado uma década depois, verificando in loco o estado das estruturas defensivas em cidades e vilas como Aljezur, Lagos, Sagres, Albufeira, Loulé, Faro, Tavira, Cacela, Castro Marim e Alcoutim. No entanto, um outro objectivo se prendeu com a visita do jovem monarca português: verificar em que condições se cumpriam o sistema das ordenanças no que se referia ao treino e serviço militar dos homens que as compunham, pois segundo a legislação em vigor a partir de 1569 – 1570, cada concelho deveria apresentar uma companhia de ordenanças, que deveria exercitar-se todas as semanas, Domingos e dias santos.

Para além dos soldados estrangeiros e dos mercenários contratados, foi exactamente do sul de Portugal, nomeadamente do Alentejo e Algarve, que saiu parte significativa dos contingentes destinados à desastrosa expedição de Alcácer Quibir. E porquê esta predilecção do monarca pelos homens do sul? A resposta é simples. Os algarvios estavam mais habituados às guerras com os mouros no Norte de África. Basta recordarmos o grande cerco a Mazagão de 1562 e a forma destemida como os algarvios foram em socorro daquela praça. Além disso, os algarvios eram “inclinados a pelejar (…) e muito leais a quem servem”, como astutamente observou Henrique Fernandes Sarrão anos mais tarde, em “História do Reino do Algarve”. Ora vejamos: só aquando da visita de D. Sebastião a Tavira, em 1573, foram apresentadas “sete bandeiras de Ordenança”, ou seja: 1400 homens, numa altura em que a cidade estava “muito despovoada” e não tinha mais de 1500 “vizinhos”. Em Faro foram apresentadas ao monarca “nove bandeiras de Ordenança”, ou seja; 1800 homens, numa altura em que se contavam na cidade 1800 “vizinhos”. Ora, se tivermos em consideração que cada “vizinho” era composto por uma média de quatro pessoas, rapidamente chegamos à conclusão que praticamente um quarto da população de Tavira ou Faro estava incorporado nas companhias de ordenanças. Por outras palavras, se excluirmos mulheres, crianças e idosos, bem podemos concluir que estavam incorporados praticamente todos os homens capazes de pegar em armas…

Naturalmente que nem todos estes homens foram recrutados para a malograda expedição a Alcácer Quibir, pois sabemos que o terço do Algarve comandado por Francisco de Távora contou com uns 2000 homens. Ainda assim, e postos estes números, põe-se uma outra questão de difícil resposta: dos cerca de 9000 homens que perderam a vida na desastrosa batalha de Alcácer Quibir, quantos seriam provenientes do Algarve?


Jornal do Algarve, Nª2888, 2 de Agosto de 2012, p.16.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sobre o corso e a pirataria magrebina no Algarve





                                                                                                                   
Com a conquista de Faro, Loulé, Albufeira e Aljezur, no reinado de D. Afonso III, dá-se o culminar da reconquista cristã no Algarve, no ano de 1249. Com a nova configuração do mapa político, as comunidades de piratas do Norte de África passaram a fustigar as regiões costeiras do Sudoeste peninsular, nomeadamente o Algarve, saqueando as populações do litoral, destruindo a navegação costeira, e cativando cristãos em busca de eventuais resgates. No ano de 1332, por exemplo, uma armada de assaltantes magrebinos, reunidos em doze galés, saquearam os moradores de Lagos, levando alguns deles como cativos, para Marrocos. Em 1353, foi a vez da vila de Castro Marim ser invadida e saqueada e, entre 25 de Maio e 14 de Junho de 1385, um bando de salteadores muçulmanos irrompeu sobre Loulé e capturou um vereador do concelho municipal.

A organização da marinha de guerra tornou-se urgente como forma de contrariar o corso e a pirataria, então muito activos. Foi neste contexto que a coroa decidiu recorrer ao almirante genovês Manuel Pessanha, para liderar o processo das reformas indispensáveis à marinha portuguesa. Foram apreciadas várias tácticas e definidas estratégias como forma de retaliar os sucessivos ataques de navios magrebinos que não davam descanso aos algarvios e às suas actividades quotidianas, nomeadamente a faina piscatória. A nova e reestruturada marinha portuguesa não tardaria a afirmar-se, respondendo ao dinamismo que lhe era exigido: não só reprimir a pirataria muçulmana que assolava o Algarve, como também passando a assaltar as costas muçulmanas de Granada e de Marrocos.

D. Dinis, ao fundar a Ordem da Cavalaria de Jesus Cristo em Castro Marim, demonstrou a importância que atribuía à região do baixo Guadiana, pois era o Algarve a primeira linha de defesa contra o inimigo muçulmano do Norte de África. Ainda assim, continuaram as temíveis acções da pirataria magrebina nas costas do Algarve. Ainda nos primeiros anos do séc. XV, a cidade de Lagos foi novamente assaltada, sendo os sinos da igreja levados para Ceuta, como troféu. A resposta portuguesa não tardaria, e logo em 1415, D. João I conquista Ceuta, levando a cruzada cristã para solo marroquino. Em breve o Algarve ganharia um importante papel no contexto nacional, na defesa e abastecimento do Algarve Dalém Mar. No entanto, apesar da presença portuguesa nas praças do norte de África, o Algarve não deixou de ser incomodado pela pirataria moura. Basta-nos recordar que Santo António de Arenilha foi despovoada nos inícios do séc. XVII, não somente devido ao avanço das águas do mar, como também em virtude das investidas da pirataria magrebina. Foi somente em 1774, depois de Portugal ter abandonado a última possessão portuguesa em território marroquino (Mazagão), em 1769, que foi assinado o Tratado de Paz entre Portugal e Marrocos que viria a pôr termo ao corso e a incrementar as relações diplomáticas e comerciais entre Portugal e Marrocos.



Jornal do Algarve, Nº 2842, 15 de Setembro de 2011, p.15.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Ibn Darraj al-Qastalli, poeta de Cacela



O poeta Ibn Darraj nasceu em Março de 958, na então "cidade" de Cacela (Qastalla) sendo-lhe por isso atribuído o epípeto al-Quastali. Segundo o catedrático de História Medieval e Presidente da Fundación al-Idrisi Hispano Marroqui, Ahmed Tahiri, foi o sétimo bisavô do poeta, de nome Darraj quem fundou a povoação de Cacela após a conquista do al-andaluz pelas tropas árabes e berberes comandadas por Tarik Ali Ibn Zyad, no ano de 711. A Cacela (Qastalla) do período islâmico viria a ser o primeiro aglomerado de carácter urbano situado a Sudeste do actual Algarve, tendo vindo a ganhar particular importância em meados do século X, durante a vida de Ibn Darraj.

 A verdade é que a vida e obra deste poeta é bastante elucidativa da realidade social, cultural e política do Gharb al-Andaluz de então. Graças ao seu prestígio literário, Ibn Darraj é incorporado na corte de Córdova, em 992, na qualidade de poeta oficial e escritor redactor do Estado califal do poderoso Almançor, no entanto, com os distúrbios resultantes das revoltas políticas e da guerra civil, o poeta vê-se forçado a abandonar a cidade em 1012, procurando depois protecção em Ceuta, Almeria, Denia, Valênia e Tortosa, concluindo a sua errância na capital taifa de Zaragoça, em 1017. Em Zaragoça, o poeta inicia uma nova etapa como poeta oficial da corte, criando vários poemas cuja nostalgia remete-nos para a grandeza da Córdova califal e as memórias da sua infância e juventude em Cacela. Em 1028 Ibn Darraj abandona Zaragoça e instala-se em Valência e posteriormente em Denia, onde viria a falecer em 1030. A obra poética deste autor, tão admirada por diversos orientalistas de várias nacionalidades, abrange, portanto, três importantes momentos da história do al-Andaluz: o esplendor do Estado califal, a guerra civil que se seguiu e o surgimento do período dos reinos taifas.

Com efeito, o livro Cacela e o seu poeta Ibn Darraj al-Qastalli, da autoria do já referido Ahmed Tahiri e publicado pela Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, apresenta-nos não somente a biografia do poeta, como também a história da formação e origens de Cacela, desde o primeiro núcleo de povoamento, algures durante o século IX, até ao seu apogeu durante os períodos califal e taifa (de alçaria a Medina). Fica, portanto, o convite para a leitura de Cacela e o seu poeta Ibn Darraj al-Qastalli, pois mais que um livro sobre a história de Cacela e do seu poeta, a presente publicação é um testemunho do património histórico e cultural de Cacela e de todo o Gharb al-Andaluz. 


Jornal do Baixo Guadiana, Nª 134, Julho de 2011, p.27.

sábado, 21 de julho de 2012

O Algarve nas Fontes da Antiguidade


                                                                                                         
No âmbito do mestrado em História do Algarve, optei por debruçar-me sobre “O Algarve nas Fontes da Antiguidade” para a unidade curricular de “Algarve Pré-histórico e Romano”. No decorrer do respectivo estudo compreendi que foram vários os escritores da antiguidade, gregos e latinos, que escreveram sobre a Ibéria ou Hispânia, obras de carácter geográfico, histórico ou etnográfico. Para tal serviram-se das suas viagens, experiências pessoais, recolha de notícias ou recorrendo a outras fontes mais antigas, como o fez Rufus Festus Avienus, que apesar de ter vivido no séc. IV d. C., utilizou uma fonte muito antiga; o relato de um périplo massaliota do séc. VI a. C.
Autores anteriores à era cristã, como Herodoro de Heracleia, Eforo e Artemidoro, dão-nos informações respeitantes ao Algarve proto-histórico, mais precisamente ao período da colonização cartaginesa. Indicam os seus limites, os acidentes da costa, o nome dos seus habitantes, (Cynetes e Conoi) e referem-se a um culto praticado no Cabo Cinético ou Promontorium Sacrum (Cabo de São Vicente).
Por outro lado, os autores do período romano, como Estrabão, Plínio o Velho, Pompónio Mela ou Cláudio Ptolomeu, caracterizam a cultura dos povos que habitavam o território a Oeste do rio Anas., incluindo nestas descrições as suas riquezas naturais e economia de cidades como Baesuris (Castro Marim), Balsa (Luz de Tavira) ou Ossonoba (Faro).
Grosso modo, podemos afirmar que estas fontes debruçaram-se sobre a orla marítima que se estende desde a embocadura do Guadiana até ao Cabo de São Vicente, ou seja, o actual Algarve, do qual por vezes nos oferecem interessantes descrições e extremamente úteis para o estudo da história da região algarvia, num período compreendido entre o final da Idade do Bronze e a II Idade do Ferro. Estas referências, que vão desde a simples alusão a uma descrição pormenorizada, revestem-se do maior interesse, pois em muitos casos são as únicas notícias referentes a factos, costumes e situações que a História e a Arqueologia nem sempre comprovaram. Consideradas deste modo, constituem fontes de indiscutível valor para a historiografia dos povos que habitaram a nossa região e uma interessante leitura para todos os algarvios em geral.

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 133, Junho de 2011, p.21.


Da fundação de Vila Real de Santo António


   

A fundação de Vila Real de Santo António, a maior e mais significativa realização iluminista efectuada em Portugal, resultou da estratégica política, económica e territorial concebida pelo Marquês de Pombal, em finais de 1773, visando a afirmação do Estado Português face ao Estado Espanhol. Já em 1982 dizia o Prof. Doutor José Eduardo Horta Correia na Comunicação apresentada no 2º Simpósio de Urbanismo e História Urbana, em Madrid: “Vila real de Santo António, construída em 1774 num areal desértico perto da foz do Guadiana, constitui um exemplo muito interessante de urbanismo iluminista e o único caso de edificação de uma cidade «ex-voto» da época pombalina, depois da reconstrução de Lisboa de 1755”.
Com efeito, a edificação da cidade foi bastante rápida; em 17 de Março de 1774 foi lançada a primeira pedra e no dia 6 de Agosto do mesmo ano já estavam terminadas as Casas da Câmara e da Alfândega, e começava-se a construção da igreja. Os edifícios foram construídos da mesma forma que os da baixa de Lisboa, à base de peças pré-fabricadas que depois eram aplicadas no local, tornando a construção mais rápida e uniforme. A cidade desenvolvia-se numa malha urbana ortogonal perfeita, centrada na Praça Marquês de Pombal. Uma grande marginal percorria as várias centenas de metros que separavam o aglomerado urbano do rio Guadiana. A nova vila iluminista, voltada estrategicamente para Espanha, viria a ser inaugurada a 13 de Maio de 1776, assinalando o aniversário de Sebastião José de Carvalho e Melo e reforçando a barreira natural que marca a divisão política e administrativa de uma fronteira que remonta à segunda metade do século XIII, aquando da conquista do Reino do Algarve aos Mouros por D. Afonso III.
Deste modo, a nova vila régia desempenharia as funções do extinto aglomerado populacional de Santo António de Arenilha, povoação criada através de uma antiga Carta de Privilégio concedida por D. Manuel em 8 de Fevereiro de 1513 e despovoada nos inícios do séc. XVII em virtude das investidas da pirataria moura e da ameaça do avanço das águas do mar. Por outro lado, a fundação da nova vila régia impediria também o contrabando, a evasão fiscal, e a livre pesca castelhana praticada no mar de Monte Gordo, permitindo ao Estado português o aproveitamento das potencialidades internas da região e aumentando a produção nacional através do Plano de Restauração do Reino do Algarve.       

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 132, Maio de 2011, p.25.