sábado, 4 de agosto de 2012

As Ordenanças do Algarve e Alcácer Quibir




          Muitos são os episódios da História de Portugal que passaram à posteridade graças aos gloriosos feitos dos portugueses. Outros episódios, porém, persistem nas brumas da memória colectiva pelas piores razões. Um desses episódios teve lugar no dia 4 de Agosto de 1578, pelo que o presente mês de Agosto de 2012 assinala os 434 anos de um dos mais funestos desastres da História de Portugal. Trata-se da batalha conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: ك الثلاث), mais conhecida em Portugal como Batalha de Alcácer Quibir, a mesma batalha onde cerca de 9000 homens perderam a vida. E o Algarve? De que maneira esteve envolvido nesse funesto episódio? De que maneira ficou afectado?

A verdade é que com o abandono de Safim, Azamor, Arzila e Alcácer Ceguer, no reinado de D. João III, a prosperidade do Reino do Algarve começou a declinar. Tavira, que na primeira metade do séc. XVI chegou a ter 3500 fogos, ou “vizinhos”, já se encontrava muito despovoada nos anos 70 da mesma centúria, não tendo por essa altura mais de 1500. Ora, com o obstinado plano de D. Sebastião para a conquista de Marrocos, o Reino do Algarve voltou a captar as atenções da Coroa portuguesa. Com efeito, a “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando partiu da cidade de Évora” do cronista João Cascão, dá-nos conta da viagem de D. Sebastião ao Algarve, em 1573. Durante esta viagem o monarca não só inspeccionou as obras nas fortificações para a defesa da costa algarvia, como também estudou as condições estratégicas, geopolíticas e militares que permitissem uma expedição militar em Marrocos, onde Portugal conservava Ceuta, Tânger e Mazagão. Já nas Cortes de 1562-1563 se determinava “que no Algarve se fação Fortalezas, onde parecem necessárias” e, de facto, o Reino do Algarve recebeu a visita do Desejado uma década depois, verificando in loco o estado das estruturas defensivas em cidades e vilas como Aljezur, Lagos, Sagres, Albufeira, Loulé, Faro, Tavira, Cacela, Castro Marim e Alcoutim. No entanto, um outro objectivo se prendeu com a visita do jovem monarca português: verificar em que condições se cumpriam o sistema das ordenanças no que se referia ao treino e serviço militar dos homens que as compunham, pois segundo a legislação em vigor a partir de 1569 – 1570, cada concelho deveria apresentar uma companhia de ordenanças, que deveria exercitar-se todas as semanas, Domingos e dias santos.

Para além dos soldados estrangeiros e dos mercenários contratados, foi exactamente do sul de Portugal, nomeadamente do Alentejo e Algarve, que saiu parte significativa dos contingentes destinados à desastrosa expedição de Alcácer Quibir. E porquê esta predilecção do monarca pelos homens do sul? A resposta é simples. Os algarvios estavam mais habituados às guerras com os mouros no Norte de África. Basta recordarmos o grande cerco a Mazagão de 1562 e a forma destemida como os algarvios foram em socorro daquela praça. Além disso, os algarvios eram “inclinados a pelejar (…) e muito leais a quem servem”, como astutamente observou Henrique Fernandes Sarrão anos mais tarde, em “História do Reino do Algarve”. Ora vejamos: só aquando da visita de D. Sebastião a Tavira, em 1573, foram apresentadas “sete bandeiras de Ordenança”, ou seja: 1400 homens, numa altura em que a cidade estava “muito despovoada” e não tinha mais de 1500 “vizinhos”. Em Faro foram apresentadas ao monarca “nove bandeiras de Ordenança”, ou seja; 1800 homens, numa altura em que se contavam na cidade 1800 “vizinhos”. Ora, se tivermos em consideração que cada “vizinho” era composto por uma média de quatro pessoas, rapidamente chegamos à conclusão que praticamente um quarto da população de Tavira ou Faro estava incorporado nas companhias de ordenanças. Por outras palavras, se excluirmos mulheres, crianças e idosos, bem podemos concluir que estavam incorporados praticamente todos os homens capazes de pegar em armas…

Naturalmente que nem todos estes homens foram recrutados para a malograda expedição a Alcácer Quibir, pois sabemos que o terço do Algarve comandado por Francisco de Távora contou com uns 2000 homens. Ainda assim, e postos estes números, põe-se uma outra questão de difícil resposta: dos cerca de 9000 homens que perderam a vida na desastrosa batalha de Alcácer Quibir, quantos seriam provenientes do Algarve?


Jornal do Algarve, Nª2888, 2 de Agosto de 2012, p.16.

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou a seguir, com interesse, o seu Blog, Fernando e através dele,começo a aprofundar o meu conhecimento sobre o Sul( terras tão apelativas, onde o Sol,nos envolve e a História faz as nossas Memórias)!
Bom Trabalho!
ANAMARIA

Fernando Pessanha disse...

Cara Ana Maria, muito obrigado pelas palavras. Fico contente por sentir que está aprofundar o seu conhecimento sobre a História deste antigo Reino do Algarve. Até breve. Abraço.