segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Hotel Anaidaug


O Arquivo Histórico Municipal de Vila Real de Santo António recebe, no próximo dia 10 de Janeiro, pelas 18:00, a inauguração da exposição de ilustrações “Hotel Anaidaug/Encontros Improváveis”, de Artur Filipe, e a apresentação do livro “Hotel Anaidaug”, de Fernando Pessanha.

A exposição, que ficará patente ao público até dia 31 de Janeiro, consiste no conjunto de ilustrações que o artista produziu para as obras de ficção de Fernando Pessanha. De acordo com o escritor, o novo livro, “Hotel Anaidaug”, consiste num «breve enredo inspirado na história do mais antigo hotel do Algarve, porém, uma história alternativa, já que tem lugar numa realidade paralela». A obra, publicada pela editora 4Águas, faz parte da colecção “Onda Curta” e já tem várias apresentações marcadas em Portugal e em Espanha. A apresentação no Arquivo Histórico Municipal de VRSA está a cargo de Luís Romão e contará com a presença do editor da 4Águas, Fernando Esteves Pinto.



 


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Guarda Nacional Republicana – Chegou a Vila Real de Santo António há 100 Anos


O presente mês de Dezembro de 2013 assinala os 100 anos da Guarda Nacional Republicana em Vila Real de Santo António. Porém, e de modo a percebermos em que conjuntura histórica e política foi implementada esta força de segurança, façamos uma breve mas necessária retrospectiva. Depois do golpe de Estado de 5 de Outubro de 1910, que substituiu a Monarquia Constitucional pelo Regime Republicano, a Guarda Municipal de Lisboa e Porto foi transformada na Guarda Republicana de Lisboa e Porto. Curiosamente, a obstinada Guarda Municipal foi a última força monárquica a render-se aos revolucionários republicanos. Nesse sentido, não deixa de ser irónico o facto de se ter transformado na única força portuguesa que passou a apresentar a designação de "Republicana".

Posteriormente, em 3 de Maio de 1911, a Guarda Republicana de Lisboa e Porto foi transformada na Guarda Nacional Republicana. Não obstante os necessitados avatares que que tão bem caracterizaram os primeiros anos da República portuguesa, a implementação da GNR no Algarve foi um processo não particularmente célere. De acordo com alguma documentação à guarda do Arquivo Municipal de Vila Real de Santo António (Correspondência Geral Recebida e Expedida - 1913), o processo relativo à implementação da GNR na vila pombalina apenas teve início em meados de 1913, ou seja; dois anos após a criação da supra citada força de segurança, e numa altura em que os distritos de Braga, Bragança, Porto, Santarém, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja e Lisboa já contavam com postos em todas as sedes de Concelho!

 Numa circular emitida pelo Comando Geral da GNR, em 5 de Julho de 1913, e dirigida ao então presidente da Câmara Municipal de VRSA, o 2º comandante responsável pelo processo solicitava à autarquia “quartel para a secção e posto destinados a esse concelho e mobilia e utensilios”. Neste sentido, não pudemos deixar de reparar nos “escarradores hygienicos” briosamente oferecidos pela autarquia-vila-realense, com o “altruísmo digno de todo o louvor” que a GNR esperava da Câmara Municipal de VRSA. No mês de Agosto, as instalações foram visitadas pelo delegado do Comando Geral e pelo oficial de engenharia, “afim de procederem á inspecção do quartel destinado ao posto da Guarda Nacional Republicana”. De acordo com uma circular de Novembro do mesmo ano, a secção da guarda destacada para o quartel de VRSA deveria seguir no “proximo dia 2 (de Dezembro) no comboio da noute”. Razão pela qual aqui assinalamos os 100 anos da implementação da Guarda Nacional Republicana em Vila Real de Santo António.

                                                         

Jornal do Baixo Guadiana, Nº163, Dezembro de 2013, p.21.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Hotel Anaidaug


 
 
Caros amigos e amigas, é com enorme prazer que vos comunico a publicação do meu novo trabalho, “Hotel Anaidaug”. Trata-se de um breve enredo inspirado na história do mais antigo hotel do Algarve, porém, uma história alternativa, já que tem lugar numa realidade paralela. A obra, publicada pela editora 4Águas, faz parte da colecção “Onda Curta” e conta com um conjunto de ilustrações da autoria do artista farense Artur Filipe, tendo já várias apresentações marcadas em Portugal e em Espanha. A primeira apresentação está a cargo de Luís Romão, e contará com a presença do editor Fernando Esteves Pinto. A sessão terá lugar no Arquivo Histórico Municipal de Vila Real de Santo António, pelas 18:00 do próximo dia 10 de Janeiro de 2014.

domingo, 1 de dezembro de 2013

1 Dezembro de 2012 e os 372 anos da Restauração de que Independência?

 
1 Dezembro de 2012 e os 372 anos da Restauração de que Independência?

 

A História de Portugal está repleta de acontecimentos que passaram à posteridade em virtude do grau de importância de que se revestem. Um desses episódios teve lugar no dia 1 de Dezembro de 1640, pelo que o presente ano de 2012 assinala os 372 anos da Restauração da Independência portuguesa. A também denominada “conspiración de 1640” – como diriam os nossos vizinhos espanhóis - foi planeada por um conjunto de personalidades portuguesas, entre os quais D. Antão de Almada, D. Miguel de Almeida, e João Pinto Ribeiro, entre outros fidalgos. Desta “conspiração” resultou a morte do secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos, e o aprisionamento de Margarita de Sabóia, a duquesa que governava Portugal em nome do seu primo, Felipe IV de Espanha. Foi então aclamado o duque de Bragança como rei de Portugal, com o título de João IV, dando início à dinastia de Bragança, a quarta dinastia da monarquia portuguesa. Deste modo, deu-se origem a 28 anos de uma guerra pautada por inúmeras escaramuças nas proximidades da fronteira, e cinco batalhas principais, todas elas ganhas pelos portugueses. Somente depois da batalha dos Montes Claros, em 17 de Junho de 1665, é que a paz foi estabelecida, através da assinatura do Tratado de Lisboa de 1668.

É claro que, para Espanha, a Guerra da Independência portuguesa só foi bem-sucedida, não devido à sagacidade e ao esforço dos portugueses, mas à sublevação da Catalunha! Sublevação essa que o duque de Olivares pretendeu esmagar com o envio de tropas portuguesas, como se não bastassem os impostos e os recursos humanos que Portugal enviava para as guerras que a Espanha mantinha pela Europa, enquanto as colónias portuguesas eram sistematicamente assaltadas sem que o governo de Madrid se dignasse a tomar qualquer tipo de medida. Esquecem-se os nossos vizinhos espanhóis que se Espanha combatia por esses anos em vários cenários de guerra, também Portugal combatia em diversas frentes por esses anos da Guerra da Restauração: combatia Espanha na frente que era a fronteira portuguesa, e combatia a Holanda, a França e a pirataria inglesa nas frentes que representavam o Brasil, a África e a Ásia. O esforço de guerra de Portugal durante esse problemático século XVII foi, de facto, notável, e não pode nem deve ser esquecido. Mais: deve servir de exemplo para lutarmos contra quem compromete a nossa independência, delapidando o país em virtude dos interesses estrangeiros. Resumindo, no dia 1 de Dezembro comemora-se a Restauração da Independência portuguesa, porém, e não obstante a importância simbólica deste dia, os nossos governantes, enquanto pessoas esclarecidíssimas, preparam-se para suprimir este feriado, dando prevalência aos feriados religiosos (Imagine-se! Pensávamos nós que vivíamos num Estado laico, mas afinal andámos enganados…). E porquê erradicar exactamente os feriados representativos das revoluções que marcaram a nossa História, como o feriado relativo à Restauração da Independência ou à Implantação da República? Pretender-se-á evitar ambientes propícios a uma nova e legítima revolução? Ora, lá diz o ditado: “quem não deve não teme”…

 

Artigo inédito (Recusado por vários jornais algarvios).

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Lutgarda Guimarães de Caires – Nascida há 140 Anos


Lutgarda Guimarães de Caires – Nascida há 140 Anos

 


 
O presente mês de Novembro de 2013 assinala os 140 anos do nascimento de uma das mais ilustres figuras de Vila Real de Santo António: a poetisa Lutgarda Guimarães de Caires. Ilustre? Sim, de facto… mas para quem? Já em 2007 – ano em que se reeditou Lutgarda Guimarães de Caires, Uma Algarvia Ilustre - escrevia o saudoso Prof. Doutor António Rosa Mendes: “é uma ilustre vila-realense; e é também uma ilustre desconhecida para os vila-realenses”. Lamentavelmente, parece que tal condição não mudou muito (para usar um eufemismo) desde 2007 até à actualidade; os seus conterrâneos desconhecem o legado cultural da supra citada, e a estátua que bem intencionadamente lhe presta homenagem acabou por resumir-se a pano de fundo para duvidosas sessões fotográficas de teor facebookiano. Compete-nos, portanto, expor um pouco da sua vida e obra de maneira a assinalar a efeméride.

Lutgarda Guimarães de Caires nasceu em Vila Real de Santo António, em 13 de Novembro de 1873. Deixou o Algarve ainda jovem, passando a viver em Lisboa, onde veio a casar com o advogado João de Caires, homem culto e aficionado de tertúlias e serões culturais. O falecimento de uma filha parece estar na origem da sua poesia melancólica e das regulares visitas às crianças enfermas no Hospital D. Maria Estefânia. Foi ela, aliás, a impulsionadora do Natal dos Hospitais, então designado Natal das Crianças dos Hospitais. A sua acção cívica passou pela denúncia das humilhantes condições em que viviam as mulheres nas cadeias portuguesas. Para além disso, reivindicou mais direitos para as mulheres, transformando-se numa pré-feminista, o que acaba por aproximá-la (com as devidas diferenças) de figuras como Maria Veleda, outra algarvia que se evidenciou no contexto do movimento feminista português. Lutgarda faleceu em 1935. Foi autora de vários livros, quer no domínio da prosa quer no domínio da poesia. Algumas destas obras, como “Sombras e Cinzas”, “Pombas Feridas”, “Violetas” ou “Glycinias” podem ser consultadas na Biblioteca Vicente Campinas. Mas perguntemo-nos: que tem sido feito no sentido de preservar a sua memória e o seu legado cultural? Em 1937, o seu nome foi dado a um largo, em Vila Real de Santo António. Em 1966 foi apresentado um busto junto ao rio Guadiana (actualmente desterrado para local menos visitado) e, em 2005, foi erguida uma estátua de corpo inteiro, da autoria do escultor vila-realense Nuno Rufino. Porém, e ainda que todas estas iniciativas sejam louváveis, não nos devemos esquecer que as estátuas são mudas e que foi o uso da palavra que evidenciou Lutegarda. Já dizia o simbolista Camilo Pessanha, no seu poema Estátua: “cansei-me de tentar o teu segredo”. Talvez esteja na hora de desvendar o quase segredo que é obra de Lutgarda Guimarães de Caires, através de encontros literários ou de outras iniciativas que perpetuem o seu legado…

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº162, Novembro de 2013, p.19.

domingo, 6 de outubro de 2013

“El asentamiento fenicio más occidental de la historia está en Ayamonte”?! Não, não está...


“El asentamiento fenicio más occidental de la historia está en Ayamonte”?! Não, não está…

 

Foi no passado dia 12 de Setembro de 2013 que o jornal espanhol La Vanguardia publicou uma notícia intitulada “El asentamiento fenicio más occidental de la historia está en Ayamonte”. Segundo este órgão de comunicação, os especialistas do Instituto Arqueológico Alemão afirmaram tratar-se do assentamento fenício mais ocidental da História, avançando uma cronologia de 2800 anos para datar o sítio arqueológico em questão. Ora, estas declarações não só são altamente contestáveis, como traduzem um brutal desconhecimento dos estudos arqueológicos que, nas últimas décadas, têm vindo a ser realizados em Portugal.

A directora do Instituto, Dirce Marzoli, ainda referiu que em alguns pontos de Portugal foram encontrados vestígios que indicam uma possível ocupação fenícia. Possível?! Ora, não saberá a senhora que na outra margem do Guadiana, em Castro Marim, foi identificado um assentamento fenício e que já deu origem à publicação de vários trabalhos científicos? Isto já para não falar de outros sítios em contexto algarvio – a ocidente de Ayamonte – como Tavira ou do Cerro da Rocha Branca, em Silves. De resto, a presença fenícia no ocidente peninsular está também atestada noutros pontos correspondentes ao território português. É o caso de Alcácer do Sal, Setúbal, Abul, Almaraz, Santa Olaia, para além dos materiais identificados em Conímbriga e que atestam as relações que a população autóctone que ali habitava mantinha com o mundo fenício.

Ao que parece, continua a subsistir, em alguns círculos, a errónea ideia da inexistência de estabelecimentos fenícios a ocidente de Cádiz. Muitas declarações, de alegados entendidos na matéria, omitem estudos recentes, esquecem trabalhos pioneiros de portugueses ou, na melhor das hipóteses, explicam os testemunhos arqueológicos disponíveis no extremo ocidente da Península num contexto de relações comerciais pontuais e muito esporádicas. Como exemplo podemos apontar a obra dirigida por Olmo Lete-Eugénia, editada em 1987, “Tiro y las Colónias Fenicias de Occidente”, onde nem sequer é considerada tal presença no território português. A verdade é que moderna investigação portuguesa tem vindo a demonstrar a inequívoca presença de estruturas comerciais e o forte impacto cultural fenício, desde o estuário do rio Guadiana ao rio Mondego. Nesse sentido, alertamos para a falta de rigor científico de alguns artigos avançados pelos órgãos de comunicação. Não nos devemos esquecer que o mediatismo em torno de alguns estudos arqueológicos são fundamentais para que os mesmos não morram na praia…

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº159, Outubro de 2013, p.21.

sábado, 14 de setembro de 2013

Os 500 anos da Conquista de Azamor, no Algarve Dalém Mar.


Os 500 anos da Conquista de Azamor, no Algarve Dalém Mar.

 
O presente mês de Setembro de 2013 assinala um dos maiores feitos militares da história da expansão ultramarina portuguesa: a conquista de Azamor (em árabe أزمور‎), em Marrocos. Segundo cronistas como Rui de Pina ou Garcia de Resende, Azamor, temendo ser tomada pela força das armas portuguesas, tornou-se tributária de D. João II, em 1486. D. Manuel I ainda confirmou os termos do contrato com Azamor, em 1497, porém, a fidelidade dos seus habitantes à Coroa portuguesa foi muito irregular depois de 1502, revoltando-se contra a soberania portuguesa e deixando de pagar os tributos acordados. Em 1508, Rodrigues Bérrio, um armador de Tavira que costumava ir pescar sáveis a Azamor, deu conhecimento a D. Manuel I das grandes divisões entre os seus habitantes e do desejo que alguns manifestavam em se tornar súbditos de Portugal. Atendendo a esses motivos, foi enviada uma armada (50 navios e 2.500 homens) sob o comando de D. João de Menezes, com o apoio de um príncipe oatácida que já estivera em Portugal, Muley Zião. Porém, a expedição fracassou, não só porque o aliado mudara de posição, mas também porque os meios envolvidos se revelaram insuficientes para tomar a praça. As intenções em tomar Azamor mantiveram-se até que, em 1513, deu-se um levantamento geral em Portugal, num ambiente de vibração patriótica registado por Gil Vicente, no seu Auto da Exortação da Guerra.

De acordo com Damião de Góis, (Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Manoel, III, Capítulo XLVI) os preparativos resultaram na maior armada organizada no reinado do venturoso; mais de 400 navios e cerca de 25000 homens, entre soldados, cavaleiros e infantes, comandados por D. Jaime, o duque de Bragança. Quando a armada partiu de Lisboa, “foi lançar ancora na baia do Faram, no regno do Algarue”, onde se lhe juntaram mais navios com combatentes algarvios. Muitos membros da grande fidalguia do reino participaram nesta expedição, entre os quais Rui Barreto, alcaide-mor de Faro e vedor da fazenda do Reino do Algarve, que ia investido como capitão de Azamor, e D. João de Menezes, que ia investido como capitão de campo. Com o desembarque do grosso das tropas na baia de Mazagão, em 28 de Agosto, os portugueses atacaram por terra e pelo rio no primeiro dia de Setembro. Os defensores de Azamor, impressionados com o poderio do exército português, acabaram por abandonar a cidade, procurando refúgio nas regiões vizinhas. A notícia da tomada da cidade correu rapidamente por toda a Enxovia e Duquela, pelo que as povoações de Almedina e Tide acabaram por ser abandonadas. Muitos mouros pediram então a paz, alegando quererem ser vassalos e pagar tributo a el-rei de Portugal. Finalmente, a 3 de Setembro, o duque de Bragança entrava na cidade e D. Manuel I acrescentava mais uma praça marroquina ao império português.

 
Jornal do Baixo Guadiana, Nº158, Setembro de 2013, p.21

domingo, 4 de agosto de 2013


O Concelho de Vila Real de Santo António e as Guerras Liberais

 


As designadas Guerras Liberais, resultantes dos confrontos entre o partido liberal de D. Pedro IV e o partido absolutista de D. Miguel, deram origem a inúmeros episódios dignos de registo, como o Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, ou a Batalha do Cabo de São Vicente, em 1833. Porém, também nos contextos locais houve episódios muito interessantes que, pelo seu valor histórico-patrimonial, merecem ser partilhados.

O Governador da praça de Vila Real de Santo António era, por esses anos, Sebastião Martins Mestre, oficial de infantaria que se distinguiu na resistência contra as invasões francesas. Numa carta datada de 18 de Janeiro de 1810, tecia o Marquês da Vila de Olhão rasgados elogios a Sebastião Martins Mestre pelo seu “patriotismo, honra e actividade na defesa da Gloriosa Religião do Príncipe e da Nação”. Contudo, e ainda que Sebastião Martins Mestre se tenha demonstrado entusiasta da Revolução Liberal Portuguesa de 1820, acabou por tornar-se num dos mais acérrimos defensores do partido absolutista. Ao ser nomeado governador da praça de Vila Real de Santo António, deu origem a uma administração pautada por perseguições aos simpatizantes do partido liberal e exercendo contra estes todos os tipos de crueldades. Segundo Ataíde de Oliveira, o governador perseguiu o pároco de Vila Real, José da Encarnação Almeida, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo, e toda a família Pessanha, que viu os seus bens serem confiscados e foram desterrados para Castro Verde. Entretanto, no dia 24 de Junho de 1833, desembarcaram na praia da Manta Rota as tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira. Não tardaram os confrontos entre o governador de Vila Real de Santo António e os constitucionalistas, que acabaram por derrubar o poder local absolutista. Foi levantado um processo contra o ex-governador Sebastião Martins Mestre, pelo que acabou por ser preso de modo a responder em Lisboa pelos crimes de que era acusado. Ironicamente, foi nomeado comandante da escolta um membro da mesma família que o ex-governador tinha perseguido: Eusébio Frei Pessanha. Quis o destino que o acusado não chegasse a Lisboa, onde deveria ser julgado. Na madrugada da partida, um indivíduo emboscou a escolta. Lançando-se sobre o acusado, desferiu-lhe uma punhalada mortal, fazendo justiça pelas próprias mãos… E quem era este individuo? Era uma das pessoas anteriormente perseguidas pelo ex-governador, o sargento de milícias, José da Cruz Azevedo. O comandante da escolta ainda correu em auxílio do preso, mas era tarde demais; o antigo governador de Vila Real de Santo António tinha sido assassinado antes do julgamento. Mostra-nos a História que muitas vezes a sede de justiça popular sobrepõe-se à própria lei, frequentemente moldada em função dos interesses das classes instaladas no poder. É algo em que a classe política deveria reflectir…

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº156, Junho de 2013, p.21.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Apresentação de "Encontros Improváveis" e "Património Bukowsky", por José Bivar


Dois livros:

Encontros Improváveis(Edições Mandil, Abril 2013)


Património Bukowski(Lua de Marfim, Janeiro 2013)


Dois autores:

Fernando Esteves Pinto (FEP), nascido em 1961, natural de Cascais e residente no Algarve (Olhão) há várias décadas, autor sobejamente conhecido e integrado no grupo da nova geração de talentos nacionais (José Luís Peixoto, Walter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares e José Carlos Barros, etc…) com várias obras publicadas e premiadas na área da poesia, romance e ensaio. Também Editor (revista de literatura Sulscrito e 4aguas).

Fernando Pessanha (FP) nascido em 1980, natural de Vila Real de Santo António, músico, compositor e historiador (“A cidade Islâmica de Faro” edições Mandil 2013), membro da CEPHA; sendo “Encontros Improváveis” a sua primeira obra de ficção.

Com uns representativos 20 anos de diferença na idade, estão, no entanto, os dois autores, irmanados por “improváveis” afinidades e cumplicidades geradas no quadro da movida cultural do Portugal democrático e Europeu contemporâneo, sobretudo a partir da mudança de paradigma que desde os anos 80 veio anunciar uma sociedade pós-industrial e de informação assente no sector terciário dos serviços e de classe média generalizada. Sociedade mais a fim de estabelecer laços e cumplicidades intergeracionais, culturais, raciais etc… do que os tradicionais blocos classicistas assentes em posturas de cariz ideológico e sectário, actualmente tidos como redutores e castrativos, produtos ultrapassados da lógica modernista das sociedades industrializadas e tecnocráticas anteriores à nova sociedade de informação.

Nascidos e criados em famílias oriundas do mundo estratificado do trabalho com poucos ou nenhuns recursos literários (casa sem livros), obrigados a assegurar desde cedo a sua autonomia e subsistência, entram no mundo da criação resgatando o tempo às rotinas da vida profissional, criando nas horas escassas, nos intervalos da labuta. (Património Bukowski de FEP; Os Machados, A Livreira e o Escritor de FP).

A pressão de uma situação, a todos os títulos periférica e suburbana, resultante dessa condição socioeconómica e cultural vai-se reflectir no enfoque social da sua produção marcada pelo desencanto, pelo morbos de uma redução existencial gerada numa ausência de futuro ou ideal, condição assaz comum nas recentes gerações das sociedades ocidentais em capitalismo terminal (Saga in FEP e A Livreira e o Escritor in FP). É neste clima que ambos os autores se movem numa estratégia de distanciamento pela ironia e de exploração mórbida das relações sociais marcadas pelo abandono dos sujeitos ao solipsismo narcísico e autista de um ambiente em constante mutação. Impossibilitados de estabelecer afectos estáveis e desejáveis, caem num universo de incomunicabilidade, inclusive consigo próprios (culto do silêncio e do vazio), gerador duma sensação de sortilégio e acaso marcados pelo absurdo e equívoco nos encontros/desencontros sempre improváveis, algo inúteis e desviantes da amalgama urbana da vida acelerada da competição generalizada (Observação do Pensamento, Saga, in FEP; e todo o livro de FP). Traços de carácter que se foram instalando na modernidade, com autores como Kafka, Poe, Pessoa, passando por Joyce, Becket, Sartre, Camus, Vergílio Ferreira, entre muitos outros, onde é patente a progressiva perda dos referentes que durante séculos apoiaram a narrativa literária.

Deus, o Homem, a comunidade implodiram sob a pressão do progresso tecnológico isolando o sujeito numa orfandade ôntica, dir-se-ia amnésica, afundando-o num niilismo sem recurso. O expressionismo brutalista e surdo deste modo existencial parece ser a única forma de comunicação pessoal e interpessoal (Saga, Coração da Cidade in FEP; A Psicóloga, O Acidente, in FP). O grito (lembrando o quadro de Munch e o não menos emblemático poema o UIVO de Alan Guinsberg), único esgar audível num universo nocturno povoado de fantasmas/zombies que circulam penosamente saindo e entrando na vida dos afectos como assombrações, num sonâmbulo microcosmos tão vivido quanto sonhado. O romance negro manifesto no goticismo de um Poe trespassa o clima de alguns contos de Pessanha (O Acidente), que surrealizando kafkaniamente (A Psicóloga), ora lançando-nos na teia dos equívocos Camusianos (A Madrasta; Os Machados) ou, na vertigem do sortilégio Sartiano (A Prima) vai-nos envolvendo no clima de uma psicologia existencial, especialidade fenomenológica comum à densa prosa de auto interpretação de Fernando Esteves Pinto, como em (Observação do Pensamento), acentuando a afinidade de ambos os escritores a uma abordagem de teor existencial.

É também recorrente a presença nas páginas das duas obras da única e fatal âncora do sujeito em desagregação: O Corpo Erotizado (A Madrasta, A Prima, Os Machados, de FP; Bukowski e Lydia Vance, Saga, Coração da Cidade de FEP). Centro vulcânico da compulsão sexual, o corpo, que exacerba e requisita em desespero salvífico, o eu concreto e coisificado, centro sensitivo, poço escuro da volúpia emocional e presencial do sujeito.

Dois autores cuja obra difere no estilo, recursos narrativos, maturidade e formação assinalando uma variação geracional do “estado de consciência” e de sociabilidade face à condição dominante da época, que teima em perdurar nesta espécie fim de tudo que habitamos. Idade terminal pronunciadora de enormes catástrofes, arrasta na sua queda os valores e as ideias, alicerces de qualquer sociedade humanista rumo a uma repelente trans-humanidade. Pesadelo que promove um gélido e idiota ser protésico: o andróide humanizado, o herdeiro da terra e mentor da saga iluminista que oferece a humanidade de barato, em sacrifício ao Deus Progresso, Pai da famigerada Modernidade e da sua colossal impostura.

É neste contexto que, penso, devem ser lidos estes dois livros: como núcleos de resistência humanista. Uma resposta de bem-humorada e fina ironia (Terapia dos Livros in FEP; e todos os contos de Encontros Improváveis de FP),dando-nos sinal positivo da subsistência e sobrevivência do sujeito soberano e imprevisível, capaz de alterar a actual condição e desafiar na sua anónima e épica luta as forças devastadoras que incautamente criou. Oxalá o consiga, no entanto, só a arte e a criação é capaz de proteger a individualidade e criar o distanciamento lúcido. Delas depende a compreensão necessária ao sentido de existência do Humano Sentido que nestes dois livros é superiormente questionado e equacionado à luz de uma profunda e contemporânea visão.


José Bivar
Bela Mandil, 9 de Julho de 2013.

 

domingo, 12 de maio de 2013


Vila Real de Santo António e Santo António de Arenilha

– Duas fundações, uma estratégia


 

O presente mês de Maio de 2013 assinala os 237 anos da maior e mais significativa edificação iluminista efectuada em Portugal: a fundação de Vila Real de Santo António. Contudo, também este ano de 2013 assinala uma data da maior importância para a História local: os 500 anos da fundação de Santo António de Arenilha. Ora, se o nascimento de Vila Real resultou da estratégia política, económica e territorial concebida pelo Marquês de Pombal, em finais de 1773, visando a afirmação do Estado português face ao Estado espanhol, que dizer da fundação de Arenilha? Com efeito, a nova vila iluminista, inaugurada em 13 de Maio de 1776, pretendia reforçar a barreira natural que marca a divisão política e administrativa entre os dois reinos, para além de impedir o contrabando, a evasão fiscal e a livre pesca castelhana praticada no mar de Monte Gordo. Porém, não foram os mesmos motivos que levaram D. Manuel I a mandar construir “nossa Villa darenilla que hora mandamos fazer e edifycar”? Sim, se bem que a fundação de Arenilha também pretendesse alertar as povoações vizinhas das investidas da pirataria moura, bastante activa na centúria de quinhentos.

A verdade é que muito se tem enaltecido a acção reformista (e mesmo despótica) do Marquês de Pombal, seguramente devido ao património edificado pombalino, como à proximidade cronológica que nos aproxima do século XVIII. Todavia, este espírito reformista e pretensamente iluminado pelas luzes da razão, não foi exclusividade do ministro de D. José I. Já o reinado de D. Manuel I, “o Venturoso”, tinha sido pautado por um conjunto de acções que visavam fortalecer o reino política e administrativamente, nomeadamente, através de conjuntos de reformas presentes nos forais manuelinos. Prova disso, para os concelhos do baixo Guadiana, são a carta de foral de Castro Marim, de 1504, a carta de foral de Alcoutim, de 1520, ou mesmo a carta de privilégio de 8 de Fevereiro de 1513, onde o monarca manda proceder à construção da vila de Arenilha. Efectivamente, a estratégia de D. Manuel I para a foz do Guadiana acabou por antecipar-se ao Marquês de Pombal em mais de dois séculos e meio, contudo, o avanço das águas do mar e a sistemática acção da pirataria berberesca acabaram por despovoar a “vileta” no decurso do século XVII. Ora, não fosse o tratado de paz assinado entre Portugal e Marrocos, em 1774, e bem que Vila real de Santo António poderia ter tido semelhante destino… Recordamos que D. José I faleceu em 1777, no ano seguinte à fundação da vila régia, pelo que o Marquês de Pombal e os seus ambiciosos projectos rapidamente foram votados ao abandono. Para a História ficam duas fundações, cada uma no seu respectivo século, mas unidas por uma estratégia tão comum quão intemporal.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº155, Maio de 2013, p.21.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Algarve e o crescente interesse na História do al-Andaluz



Foi entre o dia 2 e o dia 4 de Maio de 2008 que se realizou, em Vila Real de Santo António, o Congresso Internacional “Itinerários e Reinos. Uma descoberta do mundo. O Gharb al-Andaluz na obra o geógrafo al-Idrisi”. Tratou-se de um congresso itinerante organizado pela Fundação al-Idrisi Hispano Marroquina, e que trouxe a Vila Real de Santo António vários estudantes, investigadores e especialistas da História do al-Andaluz, provenientes de Portugal, Espanha, Marrocos e de outros países. Entretanto passou meia década, e bem nos podemos perguntar se este congresso internacional terá suscitado o interesse do público generalista em relação à História do Gharb al-Andaluz. Constatamos que, desde o congresso al-Idrisi (e independentemente da sua provável influência), vários livros foram publicados, como “Cacela e o seu Poeta Ibn Darraj al-Qastalli”, de Ahmed Tahiri; várias exposições foram inauguradas, como o “Núcleo Islâmico”, do Museu Municipal de Tavira; e vários colóquios e conferências tiveram lugar um pouco por todo o Algarve.
Um exemplo bastante curioso ocorreu no dia 20 de Abril de 2013, onde se verificaram vários eventos dedicados à História comum entre Portugal e o Magrebe. Foi exactamente no mesmo dia que se deu a “Homenagem a Cláudio Torres” no Campo Arqueológico de Mértola; o colóquio “Portugal Marrocos: História, Arqueologia e Património”, em Portimão; a Inauguração da sala “O Legado Andalusino” em Aljezur, a apresentação do romance histórico “O Luar de Sha’ Ban”, de Renato Santos, em São Brás de Alportel, e a apresentação do livro “A Cidade Islâmica de Faro”, também em São Brás do Alportel. 
Naturalmente que todos estes eventos no mesmo dia são fruto do mero acaso. No entanto, não deixa de ser uma feliz coincidência, e que acaba por atestar o crescente interesse do público em relação à História do Gharb al-Andaluz. Terá o congresso al-Idrisi contribuído de alguma forma para este renovado interesse? Certamente que sim, e certamente surgirão, num futuro próximo, novos estudos e investigações que preservem e valorizem a singularidade histórico-patrimonial do Algarve e do al-Andaluz.  

terça-feira, 2 de abril de 2013


Garcia de Melo –

Alcaide-mor de Castro Marim e anadel-mor dos besteiros

 


 

Já aqui referimos - na edição de Novembro de 2011 – a figura de António Leite, Senhor de Arenilha, enquanto protótipo do cavaleiro português da era de quinhentos que, através da carreira das armas e dos serviços prestados à Coroa no Algarve Dalém, viu os seus esforços serem coroados com honras e títulos no Algarve Daquém. Outro desses casos foi o de Garcia de Melo, alcaide-mor de Castro Marim e anadel-mor dos besteiros. Com efeito, as conquistas portuguesas em Marrocos implicaram, desde logo, a fixação de oficiais régios, muitas vezes pertencentes à pequena nobreza, para desempenharem cargos de chefia militar e administrativa nas praças lusas do Norte de África. Garcia de Melo foi um desses cavaleiros que, bem ao espírito da época, procurou promoção social através da carreira das armas no teatro de guerra hostil que era a presença portuguesa em Marrocos.

Sabemos que, em 1504, liderou um vitorioso ataque a Larache (العرائش), na altura um conhecido ninho de piratas que incansavelmente atacava as costas do Algarve. Nesse ataque capturou cinco galeotas, dois bergantins e uma caravela, tendo incendiado uma galé e três outras caravelas. Segundo “Garcia de Melo em Castro Marim…”, de Luís Miguel Duarte, o fidalgo terá ajudado na construção da fortaleza de Santa Cruz do Cabo de Gué (actual Agadir أڭادير), em 1505. Em 1508, encontramo-lo como anadel-mor dos besteiros de Arzila (أصيلة), e no mesmo ano participou na conquista de Safim (آسفي), tendo depois sido encarregado da defesa marítima da praça recém-conquistada. Não sabemos, ao certo, em que ano foi investido com a alcaidaria de Castro Marim, contudo, uma carta que foi datada de 1509 (A.N.T.T., Gaveta 20, Maço V, nº 14), apresenta-o como alcaide-mor desta praça de guerra do Algarve, nesse mesmo ano.

Nos anos seguintes voltamos a encontrá-lo em Marrocos: em 1513 está presente na conquista de Azamor (أزمور), e ano seguinte socorre Safim com os seus barcos, perante a ameaça de um cerco inimigo. Em 1515 conheceu, finalmente, o travo da derrota, na malograda expedição portuguesa à barra de Mamora (المهدية) e, em1516 socorreu o cerco a Arzila com doze caravelas, juntamente com Rui Barreto, vedor da fazenda do Algarve. Não sabemos quando nem onde morreu este bellator português. Porém, a sua extraordinária vida de aventuras e de serviços prestados à Coroa, acabou por ser coroada com a capitania da praça mais temida e importante do dispositivo português no sul de Marrocos; a capitania de Safim, entre 1526 e 1529.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº155, Abril de 2013, p.21.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O Rei Poeta Al Mutamid – Governador de Silves e Rei de Sevilha

Poucos foram os soberanos muçulmanos do Gharb al-Andaluz cujos nomes conseguiram resistir às ameaçadoras brumas do esquecimento. Um destes soberanos foi o célebre Muhammad Ibn Abbad Al Mutamid (المعتمد بن عباد), frequentemente conhecido como rei-poeta Al Mutamid; um dos mais distintos e eloquentes poetas do al-Andaluz. Al Mutamid nasceu em Beja, no ano de 1040, e era filho de Al Mutadid, o poderoso rei da taifa de Sevilha que ficou conhecido por adornar o seu jardim com as cabeças dos seus inimigos e por ter mandado matar um dos seus próprios filhos, Ismail, que conspirava contra ele. Quando o pequeno reino taifa de Silves sucumbiu perante a ofensiva do rei abádida de Sevilha, o jovem Al Mutamid, que então teria apenas 13 anos, foi deixado a governar o território que compreende o actual Algarve. Foi durante o governo de Al Mutamid, em Silves, que a cultura floresceu e que surgiram outros poetas na sua corte, como ibn al-Milh, al-Mississi, ou o controverso ibn Ammar, por quem o jovem viria a desenvolver uma profunda amizade (que não teve final feliz…). Contudo, a morte de seu pai fez com que Al Mutamid se visse obrigado a deixar o Algarve e a voltar para Sevilha, de onde passou a dirigir o seu reino.

A verdade é que todas as disputas entre os vários reinos taifas do al-Andaluz vieram facilitar as investidas dos reinos cristãos. Em 1085, Afonso VI de Castela conquistava Toledo, e no inverno seguinte já preparava o cerco a Saragoça. Perante a ameaça que representava Afonso VI de Castela, Al-Mutamid viu-se obrigado a pedir auxílio aos almorávidas, gente robusta e dura do sul de Marrocos, contra as recomendações dos seus conselheiros. Segundo a tradição, quando os conselheiros de Al Mutamid lhe alertaram para o perigo que representavam os almorávidas, este terá respondido: “ser antes cameleiro em África do que guardador de porcos em Castela”. Desta forma, um imenso exército almorávida comandado por Yussef ibn Tachfin cruzou o estreito e aportou em Algeciras em 1086, de modo a auxiliar o rei-poeta. Tendo derrotado o exército de Afonso VI de Castela e ganho a batalha de Zalaca, os almorávidas regressaram a Marrocos mal impressionados com os reinos taifas da península Ibérica, uma vez que o modo de vida e a falta de rigor religioso destes incomodava o fundamentalista fervor religioso da dinastia marroquina. Acabariam por regressar ao al-Andaluz em 1090, destronando Al Mutamid em 1091. Depois de ver os seus filhos assassinados, o rei-poeta foi levado em ferros para Agmat, no sul de Marrocos, juntamente com a sua esposa Itimad, onde viriam a perecer. Para a História ficou a memória deste rei do al Gharb, amante de tertúlias e um dos mais notáveis poetas do seu tempo. Tal é a admiração e o orgulho por esta personalidade do al-Andaluz que, ainda hoje, o túmulo de Al Mutamid e Itimad é local de peregrinação para os muçulmanos…

 

 
Fernando Pessanha - Formador de História do Algarve

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013


Santo António de Arenilha – Fundada há 500 anos


Assinala-se, no presente mês de Fevereiro de 2013, os 500 anos da fundação de Santo António de Arenilha. Apesar do respectivo topónimo já aparecer assinalado no Livro das Fortalezas de Duarte de Armas – livro incumbido por D. Manuel onde estão representados os castelos e fortalezas existentes na fronteira portuguesa – não devemos, contudo, partir do pressuposto de que já ali existiria o dito povoado. Ora, o já mencionado Livro das Fortalezas foi produzido nos primeiros anos do século XVI, talvez por volta de 1509, e denuncia um topónimo de evidente origem castelhana que se refere claramente às características arenosas da margem portuguesa da desembocadura do Guadiana. Porém, só alguns anos mais tarde foi elaborada a Carta de Privilégio concedida por D. Manuel, em 8 de Fevereiro de 1513, documento régio que determinou a construção de Arenilha: “nossa Villa darenilla que hora mandamos fazer e edifycar (…) e que nos praz que ha dita Villa seja couto asy e de maneira que ho he a nossa Villa de Castro Marym”. Desta maneira, pretendia o “Venturoso” evitar as investidas da pirataria moura (bastante activa na centúria de quinhentos) e o contrabando de mercadorias (prejudicial aos cofres da Coroa), através da criação de um couto de homiziados. Não nos podemos esquecer que toda a erma região entre Cacela e a foz do Guadiana correspondia a um areal não protegido e pouco vigiado, pelo que se tornava propício a incursões inimigas e outras actividades ilícitas. Porém, com a criação do referido couto, forçava-se o povoamento de uma localidade que pudesse vigiar as embarcações da pirataria magrebina que frequentemente apareciam no horizonte. E, por outro lado, também o monarca português afirmava a sua soberania política e administrativa sobre aquele território, para além tirar melhores proventos das pescarias do mar de Monte Gordo. Com efeito, estas reformas levadas a cabo na margem portuguesa do Guadiana, no reinado de D. Manuel, não podem nem devem ser entendidas como um caso pontual ou isolado, mas sim contextualizadas num quadro mais ambicioso e abrangente; pretendia o soberano português fortalecer seu reino política e administrativamente (vejam-se as reformas presentes nos forais manuelinos), para além de assegurar a delimitação e manutenção de suas fronteiras, (veja-se a incumbência do já referido Livro das Fortalezas de Duarte de Armas).

A verdade é que Santo António de Arenilha acabaria por ter vida efémera; já em 1600 referia Henrique Fernandes Sarrão em História do Reino do Algarve: “os vezinhos são tão poucos, que não passam de dous” e, inevitavelmente, acabou por se despovoar nos princípios do século XVII. Contudo, e não obstante a curta vida de Arenilha, torna-se impossível deixar de referir a visão estratégica D. Manuel no que se refere à defesa dos interesses da Coroa portuguesa. Uma visão estratégica que, não se pretendendo iluminada pelas luzes da razão, acabou por se antecipar ao Marquês de Pombal em mais de dois séculos e meio…


Jornal do Baixo Guadiana, Nº153, Fevereiro de 2013, p.21.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013


Os Fenícios no Algarve

 

Desde a longínqua Proto-História que o território algarvio recebeu povos oriundos do Mediterrâneo oriental, sendo os fenícios pioneiros nas viagens que os trouxeram aos confins do mundo conhecido de então. Mas quem eram estes fenícios? Em que regiões do Algarve se estabeleceram? E qual o seu legado cultural?

Os fenícios foram um povo que ocupou o antigo território de Canaã, que corresponde grosso modo ao actual território do Líbano, por volta de 1200 a. C. Fundaram várias Cidades-Estado, nomeadamente Biblos, Sídon e Tiro, onde o comércio era a actividade principal. A sua expansão foi desencadeada devido ao declínio das potências continentais da região e também ao desaparecimento da marinha de Creta e de Micenas, potências navais do II milénio a.C. do Mediterrâneo oriental. Até ao séc. V a. C., quando os gregos começaram a cruzar os mares e a fundar colónias e entrepostos, os fenícios dominaram o comércio mediterrânico, não tendo concorrência durante mais de trezentos anos. A grande riqueza mineira da Península Ibérica, da qual faz parte o Algarve, atraiu desde cedo a atenção deste povo. A razão inicial da sua presença no ocidente está certamente relacionada com a procura de metais como cobre, prata, estanho e ouro, não se limitando exclusivamente a esta actividade, como também ao desenvolvimento de feitorias e à riquíssima indústria da salga de peixe.

De acordo com os autores greco-latinos como Veleio Patérculo, Estrabão, Diodoro ou Plínio, a fundação das primeiras colónias fenícias no Ocidente deu-se por volta de 1100 a. C., porém, esta informação levanta muitas dúvidas ao nível do registo arqueológico, pois as cronologias determinadas para os materiais arqueológicos raramente antecedem o séc. VIII a. C. No contexto algarvio temos conhecimento de assentamentos fenícios em Castro Marim e no Cerro da Rocha Branca, em Silves. Contudo, é provável que também Tavira ou Faro tenham recebido estabelecimentos fenícios, pois tanto as condições geomorfológicas (localizações em promontórios próximos de estuários de rios), como os topónimos latinos de Balsa e Ossonoba poderão ter origem fenícia. Estes estabelecimentos localizados nos estuários de rios como o Guadiana, o Gilão ou o Arade, constituíram uma rede de navegação de cabotagem, através da qual se podiam estabelecer relações comerciais com as populações locais. De resto, estas bases de assentamento poderiam assumir diferentes formas, como colónias, feitorias ou entrepostos comerciais, sendo estes resultado dos interesses quer dos mercadores, quer das estruturas do poder indígena.

Do ponto de vista cultural, os fenícios foram os responsáveis pela implementação das primeiras formas de escrita, sendo a denominada escrita do sudoeste, encontrada no Algarve e Baixo Alentejo, a adaptação do alfabeto de origem fenícia à realidade fonética das populações autóctones de então. No entanto, também aqui devemos referir a introdução de novas técnicas de exploração de minas e de novas formas de explorar os recursos marinhos, assim como a introdução da roda de oleiro para o fabrico de cerâmicas, ou a introdução da produção do vinho e do azeite, produtos que assumiriam grande importância nas comunidades do Mediterrâneo da Antiguidade.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nº152, Janeiro de 2013, p.21.