quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Alcoutim – Terra com História

 

 

A presença humana no território correspondente ao concelho de Alcoutim poderá remontar ao Paleolítico Médio, uma vez que, recentemente, foram descobertos vestígios arqueológicos deste período na freguesia do Pereiro. É provável que a fixação das populações humanas se tenha dado a partir do Neolítico, como podemos depreender pelos megálitos que se encontram espalhados um pouco por todo o concelho. Também as necrópoles da Idade do Bronze e do Ferro apontam para a continuidade da ocupação das comunidades humanas no território. Do período romano existem vestígios arqueológicos que atestam a existência de comunidades organizadas, sobretudo na zona litoral, onde se encontram os melhores terrenos agrícolas. Neste sentido, o rio Guadiana desempenhava um papel fundamental como via de penetração nos territórios a norte, assim como no escoamento de produtos de e para o Mediterrâneo. Também a presença visigoda está atestada em Alcoutim. O sítio arqueológico junto à localidade ribeirinha do Montinho das Laranjeiras, a cerca de oito quilómetros a sul da vila, aponta para uma continuidade de ocupação visigoda neste espaço originalmente romano.

A presença islâmica em Alcoutim ficou registada não só na toponímia, como também numa centena de sítios identificados até ao momento. A conquista cristã teve lugar no reinado de D. Sancho II e terá ocorrido entre 1238, ano em que foi conquista Mértola, e 1239, ano da conquista de Ayamonte. O foral, concedido por D. Dinis, data de 9 de Janeiro de 1304 e viria a ser reformado por D. Manuel em 20 de Março de 1520.

Nos finais do séc. XV, Alcoutim tornou-se num condado dos marqueses de Vila Real. A família Meneses, que deu origem a diversos governadores de Ceuta, manteve este condado de Alcoutim até ao séc. XVII, quando os seus bens foram integrados na casa do infantado.

A verdade é que a constituição de Alcoutim não pode ser distanciada da sua posição geoestratégica, comercial e militar. Contudo, depois das lutas liberais do séc. XIX em que a vila é ocupada pelos miguelistas, Alcoutim acaba por perder essa posição estratégica e militar e é incorporada nos concelhos vizinhos. O concelho, reorganizado desde finais do séc. XIX em cinco freguesias, apresenta-se hoje como um interessante espaço de lazer para apreciadores do património natural, histórico e cultural.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 139, Dezembro de 2011, p.25.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012


A Nobreza no Algarve     

      

 

 

A ideia de uma verdadeira nobreza no Reino do Algarve nem sempre foi consensual entre os historiadores, tendo mesmo vindo a ser assunto de discussão entre a comunidade académica ao longo dos últimos anos. Como diria Joaquim Romero de Magalhães, em O Algarve Económico (1600-1773), no Algarve “nada é grande, e não há Grandes”. Contudo, talvez devêssemos analisar mais atentamente o assunto.

A verdade é que, desde sempre, o Algarve foi uma região periférica, marginal e marginalizada no contexto português, uma região física e politicamente distante da corte e do centro das decisões políticas. Assim sendo, será que podemos falar numa verdadeira nobreza no Algarve? Ora vejamos: parte da conquista do território algarvio aos mouros foi levada a cabo pela Ordem de Santiago, através da acção de D. Paio Peres Correia, sem que a grande nobreza estivesse envolvida. Se exceptuarmos a conquista de Ayamonte, onde alegadamente terá estado presente D. Sancho II, só voltamos a ter a presença de um monarca na conquista de Faro, onde se notou uma considerável ausência da nobreza convocada para a dita empresa.

Porém, a Expansão Portuguesa para o Norte de África, no decorrer do séc. XV e XVI, acabaria por fixar algumas famílias nobres no Reino do Algarve, tal como o comprovam os estudos mais recentes. Miguel Côrte-Real, por exemplo, defende que a nobreza do Algarve - mesmo que se tratasse de uma baixa nobreza - detinha na região o poder militar, judicial, político e simbólico, o que parece vir de encontro ao testemunho deixado em 1577 por Frei João de São José. A sua Chorographia do Reino do Algarve refere o seguinte em relação à nobreza de Tavira: “porque Tavira é povoada de toda ou da mais fidalguia do reino e nela se acham pessoas de todas as gerações nobres de Portugal, porque, como da conquista dos lugares de África em que os reis trabalharam muito tempo, esta fosse a escala, onde todos acudiam, achando-se os homens nela favorecidos pela natureza, fizeram nela seu assento. Há nela Melos, Cunhas, Corte-Reais, Paçanhas, Barretos, Pantojas, Correas, Ichoas, Viegas e outra muita gente nobre que nela mora e que está derramada por suas quintas e fazendas”.

É neste contexto que encontramos no Algarve fidalgos que acumularam títulos e rendas em virtude das suas glórias militares em Marrocos, como os Ataídes, ligados à capitania de Safim, ou os Menezes, ligados à capitania de Ceuta. No entanto, o paulatino abandono das praças marroquinas, a partir de meados do séc. XVI, trouxe a decadência económica e urbana ao Algarve, responsável pelo socorro e abastecimento das possessões no Algarve Dalém Mar. Os séculos XVII e XVIII acabaram por lançar a nobreza algarvia a um isolamento forçado, ruralizando os fidalgos nas suas quintas, e tornando-os nos nobres de província que viriam a contrair matrimónio com a plebe endinheirada; uns com o título, outros com o dinheiro, ou seja: juntava-se a fome com a vontade de comer. E onde anda actualmente essa baixa nobreza de outrora? Por aí… cruzamo-nos com eles todos os dias, nas ruas das nossas cidades algarvias.
Jornal do Baixo Guadiana, Nº148, Setembro de 2012, p.21.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Castro Marim, terra com História


 

 

 

A presença humana em Castro Marim remonta a milhares de anos e, desde então, seu espaço foi sistematicamente ocupado até à contemporaneidade. A sua localização geográfica, nas proximidades da foz do Rio Guadiana, permitiu o estabelecimento de povos oriundos do Mediterrâneo a partir do período orientalizante, ou seja; séculos VIII e VII, a. C. Sabemos, através dos registos arqueológicos e das fontes históricas da antiguidade, que Baesuris (topónimo indígena citado no Itinerário de Antonino Pio para designar Castro Marim na antiguidade) foi ocupada por fenícios, gregos, cartagineses e romanos e que estes povos usaram o Guadiana para estabelecer contactos comerciais com as populações autóctones.

No decurso da conquista cristã, e através da acção de D. Paio Peres Correia e da ordem de Santiago, Castro Marim foi conquistada aos mouros, por volta de 1242. A importância que esta terra veio a ganhar do decorrer do séc. XIII deveu-se, essencialmente, à sua localização estratégica enquanto fronteira política e administrativa com o Reino de Castela e pela sua proximidade a Marrocos. Deste modo, tornou-se imperativa a adopção de uma política de repovoamento que assegurasse a defesa das fronteiras portuguesas. É neste sentido, que Castro Marim veio a usufruir dos necessários privilégios concedidos por D. Afonso III, nomeadamente com a construção do castelo em 1274, que acolheu a primeira sede da Ordem de Cristo, em 1319, já durante o reinado de D. Dinis. No entanto, alguns anos depois, em 1356, a ordem foi transferida para Tomar, pelo que a sua população voltou a reduzir significativamente.

Não obstante a transladação da ordem, a importância defensiva e comercial de Castro Marim manteve-se. É neste contexto que, em 1450, Manuel Pessanha é nomeado por D. Afonso V para guardar e defender os portos do Algarve, inclusive o de Castro Marim. A importância estratégica da terra ao longo do século XV e XVI foi de tal forma que, em 1573, a vila recebeu a visita do Rei D. Sebastião quando este já planeava a conquista de Marrocos. O papel defensivo de Castro Marim acabou por estar sempre presente ao longo de toda a história de Portugal. Esteve presente durante a Guerra da Restauração (1640 - 1668), durante a Guerra das Laranjas (1801) ou mesmo durante as invasões francesas (1808). Dadas as circunstâncias, nunca é tarde para relembrar a dívida histórica que Portugal tem para com Castro Marim.

 

Jornal do Baixo Guadiana, Nª 140, Janeiro de 2012, p.24.