sábado, 4 de agosto de 2012


O Baixo Guadiana e Alcácer Quibir




         O dia 4 de Agosto de 2012 assinala os 434 anos de um dos episódios mais catastróficos da História de Portugal: a Batalha de Alcácer Quibir, conhecida em Marrocos como Batalha dos Três Reis (em árabe: ك الثلاث). Com a obsessiva ideia de D. Sebastião para a conquista de Marrocos – ideia já abandonada desde a reformulação da estratégia norte africana de D. João III -, o Algarve volta a captar as atenções da Coroa portuguesa. Com efeito, a “Relação da jornada de El-Rei D. Sebastião quando partiu da cidade de Évora – feita pelo cronista João Cascão”, dá-nos conta da primeira viagem de D. Sebastião ao Algarve, em 1573. O monarca não só inspeccionou as obras das fortificações para a defesa das costas algarvias contra a pirataria magrebina, como também estudou as condições estratégicas, geopolíticas e militares que permitissem uma campanha militar em Marrocos, onde Portugal conservava Ceuta e Tânger, a norte, e Mazagão, a sul. Já nas Cortes de 1562-1563 se determinava “que no Algarve se fação Fortalezas, onde parecem necessárias” e, de facto, a região do baixo Guadiana recebeu a visita do jovem monarca português uma década depois, verificando in loco o estado das fortalezas. Segundo o cronista João Cascão, D. Sebastião “veio ao longo da praia ver uma fortaleza, que está pegada com o mar, a duas léguas de Tavira, chama-se esta fortaleza Cacela”, passando depois a Castro Marim, onde visitou o castelo na companhia do Alcaide-Mor da Vila, António Melo (D. Sebastião visitou também Santo António de Arenilha e Ayamonte).

No entanto, um outro objectivo se prendia com a visita do Desejado: verificar como se cumpria o sistema das ordenanças no que se referia ao treino e serviço militar dos homens que as compunham, pois segundo a legislação em vigor a partir de 1569 – 1570, cada concelho deveria apresentar uma companhia de ordenanças, sob o comando de um capitão-mor. De facto, para além dos estrangeiros e dos mercenários contratados, foi exactamente do sul alentejano e do Algarve que saíram os principais contingentes destinados à malograda expedição de Alcácer Quibir. Nas ordenanças apresentadas a D. Sebastião aquando da sua visita ao baixo Guadiana, Castro Marim apresentou “duas bandeiras de Ordenança” (400 homens), tal como Alcoutim, que apresentou “duas bandeiras de Ordenança, as quais chegando-se a El-Rei fizeram uma salva de arcabuzaria”. Ora, este acaba por ser um número considerável se tivermos em consideração que Castro Marim, por exemplo, apresentava por essa altura uma população que rondava os duzentos e cinquenta “vizinhos”, ou seja: por volta de 1000 habitantes! Postos estes números podemos tirar uma de duas conclusões: ou o cronista João Cascão exagerou no número de homens de armas apresentados ao rei, ou praticamente todos os homens capazes de pegar em armas estavam integrados nas companhias de ordenanças! Se assim o é resta-nos uma última questão de difícil resposta: dos cerca de 9000 homens que perderam a vida na desastrosa batalha de Alcácer Quibir, quantos seriam provenientes da região do baixo Guadiana?



Jornal do Baixo Guadiana, Nº147, Agosto de 2012, p.21.

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