terça-feira, 10 de julho de 2012

Mazagão no Algarve d'Além Mar - Património da Humanidade até Quando?





No âmbito dos conhecimentos adquiridos ao longo da licenciatura em Património Cultural, decidi, para tema de monografia de seminário, abordar a história da praça de Mazagão no contexto da expansão portuguesa para o Norte de África. Fundada em 1513, no contexto do espírito de cruzada invocado pela dinastia de Avis, foi uma das mais importantes praças que Portugal possuiu no Algarve de Além Mar e, aquela em que os portugueses mais tempo subsistiram (desde 1513 a 1769), quando numa profunda alteração da estratégia colonial, o Marquês de Pombal manda transferir toda a população da cidade para Nova Mazagão, no Brasil.
Esta antiga possessão portuguesa, enquanto herança patrimonial edificada, é uma praça precocemente moderna, um exemplar de arquitectura militar do Renascimento, construída no contexto da reformulação da estratégia Norte Africana de D. João III. Trata-se do primeiro grande baluarte construído fora da Europa e em espaço do império português, projectado por Benedetto de Ravena e construído pelo mestre-pedreiro, João de Castilho, segundo os princípios do sistema abaluartado “à italiana”. Assim sendo, um autêntico bem patrimonial que testemunha a dura realidade em que os portugueses subsistiram nas praças lusas do Norte de África e o paradigma da herança cultural e arquitectónica que os portugueses deixaram em Marrocos.
A metodologia de trabalho utilizada para esta monografia de seminário baseou-se, para além necessária recolha bibliográfica sobre o assunto, num estudo in loco, de modo a recolher bibliografia marroquina existente e a visualizar e documentar o estado das estruturas desta antiga possessão portuguesa. O resultado deste estudo foi, infelizmente, assinalado pela decepção subjacente à busca das fontes locais e ao lamentável estado em que se encontra este monumento. As investigações realizadas no terreno, junto das entidades culturais da região, revelaram-se um lamentável fracasso pautado quer pela quase total inexistência de bibliografia marroquina, quer pela ignorância da população local relativamente às eventuais informações que poderiam ser facultadas pela tradição oral. Da experiência do estudo in loco, acabo, inevitavelmente, por concluir que a grande generalidade dos marroquinos não tem noção do valor patrimonial deste monumento de interesse histórico, arquitectónico e arqueológico, classificado pela UNESCO, em 2004, como património da humanidade.
Da fortaleza, o que melhor se encontra conservado são os muros, os baluartes e a cisterna. O traçado das ruas sofreu variadas modificações sem, no entanto, perder a toponímia portuguesa. Do castelo manuelino subsistem ainda restos das torres e as galerias. De todas as construções de cariz religioso restam apenas duas igrejas; a Igreja de Nossa senhora da Assunção e a Capela de São Sebastião. Infelizmente, os elevados níveis de degradação no interior da fortaleza e a abundante lixeira a céu aberto que os actuais moradores da “cité portugaise” tão orgulhosamente insistem em preservar são o espelho do vergonhoso estado em que este monumento se encontra. Os edifícios civis encontram-se num lamentável estado de degradação e modificados em relação ao traçado português. No que se refere ao espólio arqueológico, alguma epigrafia e outros restos de material bélico encontram-se guardados numa espécie de “núcleo museológico”, instalado numa galeria do edifício do antigo castelo, para além dos poucos canhões portugueses que miraculosamente subsistem nos baluartes.
Grosso modo, o lamentável estado de conservação verificável no interior da fortaleza de Mazagão, classificada pela UNESCO como património da humanidade, é uma situação que nem honra os antepassados marroquinos que lutaram contra o invasor português, nem prestigia as instituições marroquinas, alegadamente responsáveis pela preservação e defesa do património, como o Centre du Patrimoine Luso-Marrocain, organismo dependente do Ministère de la Culture do reino de Marrocos.
Dadas as circunstâncias, coloca-se uma questão: até quando conseguirão as entidades responsáveis marroquinas manter o estatuto de Mazagão enquanto Património da Humanidade? Será a fortaleza de Mazagão um caso pontual ou tratar-se-á antes do triste fado dos demais monumentos de origem portuguesa no mundo, mesmo quando supostamente protegidos ao abrigo da classificação da UNESCO? É uma questão que deixo no ar…

Jornal do Algarve Magazine, Nº2805, 30 de Dezembro de 2010, p.16.

1 comentário:

Ana Leitão disse...

Bravo, rapaz. Vejo que andas a colocar o dedo em certas feridas... com muita propriedade, devo salientar.
Não me espanta a escassez de fontes in loco, antes apontaria para a centralização desses fundos no então reino de Portugal.
Por certo encontrarás algo na Torre do Tombo, como o regimento dos governadores de 1502 (procura na digitarq, aparece muita coisa),e outros relativos ao ano de 1677 na Bib. Nacional (http://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/383).
Outra coisa: a propósito da retirada com Pombal, não se ficou a dever à guerra que se travava, forçando a transferência dos colonos? Marca, por certo, a desistência de Portugal, por não fortalecer mais a oposição armada, mas os momentos eram difíceis. Bem, já viste, puseste-me a discutir vivamente o assunto. Gostei! Vou continuar a explorar, tens por aqui textos com muito nível.
Ti xau!